Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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A (DEPRE)CÍVICA DIGNIDADE


Escrevinhação n. 967, redigida em 25 de setembro de 2012, dia de Santa Aurélia e Santa Neomísia, Santo Alberto, São Firmino e São Cléofas.

Por Dartagnan da Silva Zanela


Há certas leviandades em nossa sociedade que, confesso, fazem-me rir. Uma é esse trololó moralista que versa sobre a compra e venda de votos. Que vender o voto é uma indignidade, todo mundo sabe, inclusive aquele que vende e principalmente aquele que compra. Provavelmente, o que ambos não saibam, e que não fazem a menor questão de saber, é o que vem a ser a tal da dignidade, essa joia rara em nossa sociedade. E, falando-se disso, quem neste país realmente almeja essa refinada ambrosia, a dignidade, para adornar sua alma? Quem, de fato, lhe dá valor?

De mais a mais, como havia dito, o que rouba minha atenção não é essa prática mesquinha e putrefaz. O que realmente me deixa intrigado é a leviandade das vozes que se levantam contra essa prática. Vozes essas que chegam a ter gozos dionisíacos por posarem de bons-moços para serem aplaudidas, vistas como figuras exemplares. Sim, esses elementos não dizem isso, mas, no fundo, desejam muito que suas alminhas carcomidas sejam cultuadas como heróis (depre)cívicos.

Isso mesmo! Não sou nem um pouco esperançoso com relação a esses tipos de manifestações públicas de compostura ferida frente à corrupção. Para ser franco, tudo isso, aos meus cáusticos olhos, não passa de pura afetação.

Hum! Já vi tudo. Ficou bravinho. Mas deixe esse fel de lado e beba comigo deste cálice. Veja, no correr de toda história das lutas pelo poder, algumas elegantes outras permeadas por peias intestinas, sempre forjaram-se acordos entre grupelhos das mais variadas matizes e bandeiras. Tribos essas que firmaram suas alianças por meio de trocas de vantagens, bens ou favores. Nas polis gregas, em Roma, ou com os nobres guerreiros medievais, nas cortes europeias da renascença ou mesmo em nosso país (tanto ontem como hoje), forças se reúnem para lutar contra inimigos em comum. Ou seja: alianças eram e são firmadas com as mais variadas moedas de troca. Apoio se conquista com a oferta de “oportunidades” e, tudo isso, sempre é feito em nome do bem comum, é claro.

O engraçado nisso tudo é que todos aqueles que têm certa imagem ou um relativo status na sociedade podem negociar o seu apoio a este ou aquele biltre que se candidata para ocupar um cargo público, todavia, se um infeliz que não têm renome e que se encontra reduzido a uma condição de  miserável insignificância desejar fazer o mesmo, negociar (vender) o seu apoio a um infame qualquer, aí temos um crime, uma conspiração contra as colunas desta decrépita república.

Trocando por miúdos: o sentimento justiceiro que tanto inflama as vistas dos moralistas de plantão, utiliza-se de dois pesos e duas medidas como a maioria em nossa pérfida sociedade. Por isso, que todas essas poses de bons-moços não me convencem de jeito algum.

Por essas e outras, que junto minha voz com a de Stanislaw Ponte Preta, que dizia que ou “instaure-se a moralidade, ou nos locupletemos todos”. Que a regra seja uma para todos e que, com isso, sejamos capazes de criar nos espelhos de nossos lares ao menos um vago e pálido reflexo da tal vergonha na cara para que, quem sabe, podermos lançar, mesmo que timidamente, a bases de um vívido espírito público.

Pax et bonum
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DA ESTULTICE ORGULHOSA


Escrevinhação n. 966, redigido em 17 de setembro de 2012, dia de São Roberto Belarmino.

Por Dartagnan da Silva Zanela


Você já leu Memórias Póstumas de Braz Cubas ou Dom Casmurro? Frequentemente faço essa pergunta a neófitos presunçosos ou mesmo a pessoas na plenitude de sua (de)formação que tem o brasílico hábito de querer puxar uma prosa com aqueles pedantes ares de gente cabeça, sabida e versada nas ocultas ciências dos cocurutos ocos. Rotineiramente, recebo como resposta aquele olhar enojado acompanhado duma boca boba, torcida, seguida da afirmação: “Machado de Assis! Ui!”

Pois é, mas, em regra, todas essas mal fadadas almas sebosas nunca o leram com a atenção que lhe é devida e, a parca atenção que muitas das vezes lhe foi dirigida é devido à imposição de um professor da língua mátria e só. Fim de conversa. Todavia, ouso indagar sempre a estes: quem de nós, hoje, seria capaz de escrever, uma linha que fosse, com a maestria machadiana? Quem de nós maneja a língua pátria de modo similar a ele?

Esses narizes torcidos frente à pedra angular de nossa literatura são um claro sintoma de nossa egolatria terminal. Em nós, a tolice atingiu píncaros tão excelsos, que imaginamos que nossa incompreensão do vocabulário utilizado por Machado (e tantos outros) coloca o nosso mísero uso do vernáculo no patamar de juízes salomônicos autorizados a dizer o que é digno ou indigno de nosso patrimônio cultural.

Ora, em média, um adolescente, utiliza-se em suas comunicações diárias de aproximadamente 60 palavras. Vocábulos esses parcamente ditos e combinados, diga-se de passagem. Para piorar a cenário, o universo vocabular adulto não é muito diferente. No imaginário demente dos elementos que dão forma à nossa sociedade o amor as letras é uma excentricidade de gente metida, visto que, o brasileiro, de um modo geral, crê-se dotado de uma espécie de sabedoria infusa que dispensa-o do conhecimento dos problemas que são apresentados pela grande literatura de sua nação e, naturalmente, da literatura universal e de qualquer estudo minimamente sério.

Por essas e outras, a incompreensão, nestas plagas, tornou-se sinônimo de distinta sabedoria, o auto-engano mordaz é tratado com a honrosa alcunha de mentalidade crítica e a estultice graciosa como sendo sinônimo de grande habilidade nas conversar furrecas, digo, discussões sobre temas de “grande relevância”.

Só o fato de termos pessoas diplomadas que acreditam piamente que a leitura das linhas machadianas, ou de qualquer obra da grande literatura, seria uma chatice compulsória (hoje, não mais) dos idos colegiais, denota o quanto que, no Brasil, caímos a um nível infra-humano.

Aliás, como nos ensina o historiador Alexandre Herculano, a ruína e a solidão dos templos, monumentos de nossa alma, denotam a nossa queda, mesmo que não a sintamos. Ora, as grandes obras da literatura de um país são um dos templos sagrados que devem ser frequentadas pia e regularmente, coisa que, infelizmente, não mais se faz e nem mesmo se deseja fazer.

De fato, não sentimos e não desejamos tornarmo-nos cônscios de nossa decrepitude moral e intelectual. 

Pax et bonum
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A tirania do futuro


Por João Pereira Coutinho

Imagine o leitor que era possível saber, com algum grau de certeza, o futuro clínico do seu filho ainda por nascer. Estaria disposto a dar esse passo?

Não, o cenário não é produto da imaginação fílmica de Hollywood. Em artigo para a "Slate", Harriet Washington levanta o véu sobre esse admirável mundo novo: pesquisadores americanos desenvolveram uma técnica pré-natal que permite isolar o DNA do feto a partir do sangue da mãe.

Depois, com essa preciosa informação genética, será possível compor uma lista generosa com os todos os genes "problemáticos" da futura criança.

Em teoria, será possível saber se aquela vida será longa e saudável; ou, pelo contrário, se terá uma tendência genética pronunciada para desenvolver certos tipos de câncer ou outras doenças igualmente graves.

No artigo, a autora levanta alguns problemas que a descoberta pode trazer. Problemas práticos, médicos, sociais, parentais, que se resumem na pergunta: o que fazer com essa informação genética? Devem os médicos fornecê-la aos pais? [continue lendo]

Fraudas


Por Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

Um velho amigo, Álvaro Acioli, me lembra uma frase do ferino Eça de Queiroz: "Os políticos e as fraldas devem ser trocados frequentemente e pela mesma razão".  Citação mais do que apropriada neste momento em que somos legalmente impingidos com a "propaganda eleitoral gratuita", essa marcha de caras e promessas que precedem o ritual democrático da mais alta importância: a hora de trocar certos atores por meio de uma escolha - a eleição.

A troca, data vênia, das fraldas, para ficarmos com o velho Eça, tem suas etiquetas. No nosso caso, ela promove na TV um desfile hierarquizado por tempo de exposição dos candidatos; um tempo subordinado ao poder do partido de cada aspirante. Os bem aquinhoados partidariamente têm mais tempo. Os sem-tempo tentam definir em segundos uma vida e um programa.

É quando eu me dou conta do absurdo dessa competição eleitoral dando a muitos alguns segundos, enquanto poucos podem desempenhar o papel de estrelas, o que, aliás, fazem com brilho estupendo. O modelo encenado é o de um baralho de messias. Em cada carta surge um algarismo, um naipe e um santo. Todos, porém, dotados da capacidade de prometer doses de felicidade que vão melhorar o nosso mundo e, naturalmente, o deles. O programa deixa ver como nossa concepção de poder é feita com altares e promessas: com relações de simpatia mais do que laços ideológicos e competências. Salta aos olhos a linguagem do compadrio e do parentesco como um atestado da habilidade dos candidatos. [continue lendo]

A engenharia da desordem


Por Olavo de Carvalho

Todo mundo sabe que a base eleitoral do ex-presidente Lula, bem como a da sua sucessora, está nas filas de beneficiários das verbas do Fome Zero. Embora a origem do programa remonte ao governo FHC, o embrulhão-em-chefe conseguiu fundi-lo de tal maneira à imagem da sua pessoa, que a multidão dos recebedores teme que votar contra ele seja matar a galinha dos ovos de ouro.

No começo ele prometia, em vez disso, lhes arranjar empregos, mas depois se absteve prudentemente de fazê-lo e preferiu, com esperteza de mafioso, reduzi-los à condição de dependentes crônicos.

O cidadão que sai da miséria para entrar no mercado de trabalho pode permanecer grato, durante algum tempo, a quem lhe deu essa oportunidade, mas no correr dos anos acaba percebendo que sua sorte depende do seu próprio esforço e não de um favor recebido tempos atrás. Já aquele cuja subsistência provém de favores renovados todos os meses torna-se um puxa-saco compulsivo, um servidor devoto do "Padim", um profissional do beija-mão. [continue lendo]

Uma epidemia de "síndrome do olho eletrônico"


Por Umberto Eco

Algum tempo atrás eu estava dando uma palestra na Academia Espanhola em Roma - ou melhor, tentando dar uma palestra. Fui distraído por uma luz forte que brilhava em meus olhos e dificultava que eu lesse minhas anotações - a luz de uma câmera de vídeo de um celular pertencente a uma mulher na plateia. Reagi de maneira muito ressentida, comentando (como geralmente faço diante de fotógrafos desconsiderados) que, mantendo a adequada divisão de trabalho, quando eu estou trabalhando eles deveriam parar de trabalhar. A mulher desligou a câmera, mas com um ar oprimido, como se tivesse sido submetida a um verdadeiro insulto.

Justamente neste verão em San Leo, quando a cidade italiana estava lançando uma maravilhosa iniciativa para homenagear a paisagem da área de Montefeltro que aparece nas primeiras pinturas renascentistas de Piero della Francesca, três pessoas me cegavam com seus flashes, e eu parei para lhes lembrar as regras de boas maneiras. Deve-se notar que nesses dois eventos as pessoas que estavam me registrando não pertenciam a equipes profissionais de câmera e não tinham sido enviadas para cobrir o evento; eram supostamente pessoas educadas que foram por sua livre vontade assistir a palestras que exigiam algum grau de conhecimento. Entretanto, elas demonstravam todos os sintomas da "síndrome do olho eletrônico": pareciam virtualmente não se interessar pelo que estava sendo dito; tudo o que queriam, aparentemente, era registrar o evento e talvez publicá-lo no YouTube. Elas haviam desistido de prestar atenção no momento, preferindo registrar em seus telefones em vez de assistir com os próprios olhos.


Esse desejo de estar presente com um olho mecânico em vez de um cérebro parece ter alterado mentalmente um contingente significativo de pessoas aparentemente civilizadas. Os membros da plateia que tiravam fotos e gravavam vídeos em Roma e San Leo provavelmente saíram dos eventos com algumas imagens, mas sem qualquer ideia do que haviam presenciado. (Esse comportamento talvez se justifique quando se vê uma "stripper" - mas não uma palestra acadêmica.) E se, como eu imagino, esses indivíduos passam pela vida fotografando tudo o que veem, estão condenados para sempre a esquecer hoje o que registraram ontem. [continue lendo]

Por que Robespierre escolheu o Terror

Por John Kekes

A atitude americana em relação à Revolução Francesa foi em geral favorável – muito natural para uma nação nascida ela própria de uma revolução. Mas há revoluções e revoluções, e a Revolução Francesa está entre as piores. Sim, em nome da liberdade, igualdade e fraternidade, ela derrubou um regime corrupto. Mas o resultado desses belos ideais foram, primeiro, o Terror e o genocídio na França e, depois, Napoleão e suas guerras, que custaram centenas de milhares de vidas na Europa e na Rússia. Depois deste massacre inútil veio a restauração do mesmo regime corrupto que a Revolução derrubara. Além de um imenso sofrimento, a revolta nada conseguiu.

Liderando a traição aos ideais iniciais da Revolução e sua transformação em uma tirania de ideologia homicida estava Maximilien Robespierre, um monstro que criou um sistema explicitamente feito para matar milhares de inocentes. Ele sabia exatamente o que estava fazendo, ele fez o que pretendia fazer, e ele acreditava estar certo em fazer o que fez. Ele é o protótipo de um particularmente odioso tipo de malfeitor: o ideólogo que acredita que a razão e a moralidade estão do lado de seus açougueiros. Lenin, Stalin, Hitler, Mao e Pol Pot foram feito do mesmo molde. Eles são os típicos inimigos da humanidade em tempos modernos, mas Robespierre tem boas razões para alegar ter sido o primeiro. Compreender suas motivações e raciocínio aprofunda nossa compreensão dos piores horrores do passado recente e aqueles que podem nos espreitar no futuro.

Historiadores distinguem três fases da Revolução Francesa. A última, o Terror, aconteceu aproximadamente em 1793-94. Começou com a queda dos girondinos moderados e adesão dos jacobinos radicais de poder. Como os jacobinos ganharam o controle do Comitê de Salvação Pública, o qual por sua vez controlava o legislativo (a Convenção), as disputas entre as facções se aguçaram. Depois de um interregno de poder compartilhado, Robespierre tornou-se ditador e o Terror se agravou. Ele tomou a forma de prisões, julgamentos farsescos e a execução de milhares de pessoas, incluindo os líderes dos girondinos e os jacobinos de facções opostas que eram suspeitos de oposição – ativa ou passivamente, real ou potencialmente – às políticas ditadas por Robespierre. [continue lendo]

DEMOCRACIA DE MEIA-PATACA


Escrevinhação n. 965, redigida em 11 de setembro de 2012, dia de São Pedro de Alcântara e de São João Gabriel Perboyre.

Por Dartagnan da Silva Zanela

Todo pleito eleitoral brasileiro é, no mínimo, tragicômico. Um festival de vaidades inflamadas por egos afetados. Para todas as direções que volvemos as meninas de nossas vistas lá encontramos fogueiras ardendo orgulhosamente, inclusive e principalmente, quando dirigimos o olhar para o âmago de nosso ser.

Aliás, como nos lembra Alexandre Herculano, o vaidoso é o que chama o mundo para espectador de seu orgulho e o orgulhoso, aquele que coloca a si como único espectador de sua vaidade. Diante dessas palavras, penso que seja impossível não reconhecer nossos rompantes de cidadanite manifestos nestes dias de campanha eleitoreira. Todavia, no Brasil, quando o quesito é a falta de caráter, tudo é possível, não é mesmo?

Facilmente nos envaidecemos com o fictício poder que colocam em nossas mãos. Sufragamos eletronicamente para homologar a vontade de poder de outrem imaginando que com esse gesto estamos fortalecendo a democracia que, nestas plagas, é algo tão ufanado quanto incompreendido e mutilado.

Por essas e outras que não temos como discordar de Nelson Rodrigues quanto este afirmou que o grande mérito da democracia é o de ter ensinado aos idiotas que eles são a maioria. Sim, somos a maioria absoluta e incontestável, não importa para que direção nosso voto aponte.

E mais! Esquecemos, como nos ensina Rudolph Emerson, que o que há de mais sagrado em nós é a integridade de nossa consciência. Pior! Somos nós mesmos os primeiros a profanar esse santuário íntimo quando permitimos que a vaidade enxovalhe a verdade que nos habita. Mutilamos nosso caráter e corrompemos nossa inteligência, pois, é mais cômodo vivermos em conformidade com a opinião da turba. Entretanto, a alma verdadeiramente grande é aquela que se conserva calma, independente e solitária, mesmo estando imersa no meio do vulgo, como o mesmo nos admoesta. Mas, quem realmente tem essa disposição de espírito? Quem de nós realmente quer singrar seus passos por essa via?

Não é difícil responder essa questão. Problemática é a audição da resposta porque ela revela-nos a sombra que impera em nossa alma e afaga nossa envaidecida persona despersonalizada. Sim, a tirania de um déspota, diz Montesquieu, arruína um Estado, mas muito mais grave que isso é a indiferença geral pelo bem comum. E como esta reina entre nós ao lado da majestade imbecilizante que mutila nossa consciência. Infelizmente, neste cenário, toda fagulha de boa vontade revela-se uma pífia dissimulação!

É difícil, confesso, ter alguma esperança de que uma boa governança venha a reger os rincões desta terra de desterrados, visto que, toda boa vontade vê-se sufocada pela mendacidade reinante. É difícil esperar o mínimo de bom senso de uma sociedade que despreza o conhecimento ao mesmo tempo de exalta a vulgaridade mal travestida de cultura. E mesmo assim, há ainda quem diga que o que há de melhor no Brasil é o...

Ledo engano.

Pax et bonum
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O sentido das palavras


Por Carlos Heitor Cony

"Até nas flores se encontra a diferença da sorte: umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte." Esse poema se aprendia nas escolas do passado. Hoje, a diferença da sorte atinge até mesmo os partidos políticos, que podem ser resumidos em situação e oposição.

Para a oposição, dona Dilma é presidente da República. Para a situação (PT e aliados), é presidenta, como ela própria gosta de ser tratada. É fácil identificar quem é a favor ou contra o governo. Embora não se diga de uma moça que é "estudanta", de uma mulher acamada que é "doenta" ou "pacienta", a sutileza do tratamento é uma declaração de princípios, um programa de salvação nacional.

Há também uma outra sutileza que define os rumos ideológicos e transcendentais da atual situação nacional. Os veículos de comunicação, principalmente as TVs oficiais e as oficiosas, quando botam no ar os debates no Supremo Tribunal Federal (STF), identificam o programa como "ação penal 470". Tudo certo, a informação não foi sonegada nem deformada. As emissoras não comprometidas com o governo se referem ao mesmo programa de outra forma: "mensalão" --um tiro que o PT disparou no próprio pé. [continue lendo]

A inveja infantil improdutiva


Por Luiz Felipe Pondé

A relação de grande parte da nossa mídia e dos intelectuais locais com os Estados Unidos continua sendo a de uma inveja infantil improdutiva, uma síndrome que podemos chamar de "I. I. I. Adição". Psiquiatras brasileiros poderão descrevê-la no futuro, caso eles mesmos não sofram da síndrome de inveja infantil improdutiva. E, como toda síndrome infantil, é primitiva e quase incurável.

Agora, com a eleição nos EUA, de novo, a síndrome se mostra na ridícula parcialidade da maior parte da cobertura e análises (se podemos chamar "gritos da torcida" de análise). A torcida grita: Obama é a prova de que homens criados por mulheres fortes e independentes produzem homens melhores (na realidade, homens com medo das mulheres...), Obama é a cura para a doença (a crise econômica) que assolou os EUA porque ele não representa os milionários e esses são malvados... risadas...

As "cheerleaders" gritam: os republicanos são obviamente idiotas que representam velhos caquéticos brancos que não representam a população americana (apesar de os republicanos terem o controle da Câmara de Deputados e de vários Estados). Pesquisas apontam que, em anos, o partido estará morto porque esses caquéticos terão morrido (pouco importa se grande parte dessas pesquisas são feitas pelos próprios liberais, "esquerda americana", e de existirem mulheres, negros e hispânicos mesmo entre candidatos no Partido Republicano).

Não acredito em causas ideológicas para as ideias políticas, mas sim em causas mais primitivas e da ordem da tara: a base da crítica aos EUA é a simples inveja de que eles são mais ricos. [continue lendo]

Uma religião para todos?


Por Carlos Ramalhete

50 anos atrás, o grande estudioso do fenômeno religioso Mircea Eliade observou que se estava na etapa inicial de um novo tipo de “religião”, baseada no secularismo radical, sem Deus ou deuses. Religião, afinal, é isso: é a ligação, ou busca de ligação, do homem com a ordem de todas as coisas. Nossa sociedade, vendo-se como autora da ordem do mundo, criou esta forma religiosa: uma religião ateia, em que o homem é seu próprio deus.

No paganismo clássico, os deuses são homens aumentados, inclusive em seus defeitos: Mercúrio, Loki ou Exu não são companhias agradáveis, por mais que com eles seja possível negociar. Nesta nova “religião”, no entanto, o homem não é aumentado; ao contrário, suas funções fisiológicas e prazeres sensíveis tornam-se o objeto do culto. Busca-se a saciedade, não a perfeição. [continue lendo]

DA DIGNIDADE FINGIDA


Escrevinhação n. 963, redigdo em 03 de setembro de 2012, dia de São Gregório Magno e São Marino.

Por Dartagnan da Silva Zanela


Todos ficam ofendidinhos quando alguém simplesmente relata o óbvio ululante de que nossa sociedade é corrompida até os gorgomilos. Fazemos pose de injuriados, espumamos o canto da boca de indignação, porém, não fazemos o mínimo esforço para identificar o quão verdadeiras são essas palavras e muito menos ponderamos sobre o que poderíamos fazer para, ao menos, lutar contra essa tendência que deita suas raízes em nosso coração e, diuturnamente, é cultivada por nós, através de nossa cumplicidade e conivência com as pestilências morais que infectam nossa sociedade e, consequentemente, nossa alma.

Se conversarmos com dez brasileiros todos eles dirão que são terminantemente contra a corrupção político-administrativa, que rejeitam o nepotismo e o tráfico de influência e que condenam os favorecimentos indevidos a amigos e correligionários. É, mas dos dez, ao menos quatro, já usufruíram de alguma benesse desta ordem e não tem vergonha disso. Dos seis restantes, ao menos três estão indignados com tudo porque nem uma gotinha desta maré de lama respingou neles para que eles, também, pudessem cair ao menos um pouquinho na lambança. Quanto aos últimos, estes, provavelmente, são daqueles espécimes raros em nossa pátria. Trabalhadores, honestos e que, mais do que indignados, sentem-se acuados, com medo, por viver em um país onde a indignidade é premiada, favorecida e estimulada.

Isso mesmo! Não é que as pessoas que labutam para tornarem-se dignas têm vergonha de ser honestas. Não! As pessoas honestas têm medo de o ser. Para lhes ser franco, têm-se a clara impressão de que vivemos hoje, no Brasil, a realização concreta do conto “A Igreja do Diabo” de Machado de Assis, onde as pessoas de bem fazem o bem às escondidas, para que ninguém pense nenhuma maledicência delas para que não seja ferido o código de má conduta tão vilmente adotado por nossa sociedade.

José Bonifácio, Pai fundador de nosso País, afirmava enfaticamente que quando ele colocava-se a refletir sobre os estado em que se encontravam os seus iguais, procurava considerar atentamente a educação destes e, ao fazer isso, não se admirava que eles fossem maus e corrompidos. Aliás, admirava-se de eles não o fossem mais ainda. Ora, como ser virtuosos se não somos educados para a virtude, se desde a mais tenra mocidade todos os exemplos que nos rodeiam nos conduzem ao crime e ao mais envilecido egoísmo?

Sim, sei que por todos os lados que voltamos nossas vistas vemos pessoas, empavonadas ou não, discursando contra a inexistência de espírito público em nossa república e outras tantas ouvindo (des)atentamente. Mas, tudo isso, não passa do necessário simulacro hipócrita de nossa sociedade que adota como pedra angular de seu caminhar o gesto vil de expurgar a Verdade do coração para que a vaidade possa sentir-se mais à vontade no cultivo dos inchados egos carcomidos de almas que voluntariosamente se degradam neste carnaval de uma nota só.

Por fim, ou impavidamente lutamos contra as raízes corruptas e corruptoras que se fazem presentes em nosso coração para que tornemo-nos dignos, prestativos e bons, como nos ensina Goethe ou, ao menos, tenhamos um pingo de vergonha e calemos nossa pífia hipocrisia.

Pax et bonum
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Visão curta e visão mais curta


Por Olavo de Carvalho

O livro dos Trinta e Seis Estratagemas chineses ensina: “Todo fenômeno é no começo um germe, depois termina por se tornar uma realidade que todo mundo pode constatar. O sábio pensa no longo prazo. Eis por que ele presta muita atenção aos germes. A maioria dos homens tem a visão curta. Espera que o problema se torne evidente, para só então atacá-lo.”

As duas perguntas que  o trecho sugere são:

1) Onde estão os germes?

2) Quando os problemas ficam evidentes, aparecem claros para todo mundo
 ao mesmo tempo?

A resposta à primeira pergunta nem é muito difícil. Todas as situações histórico-políticas nascem da ação humana, e a ação nasce da especulação de possibilidades. Quem especula possibilidades são os intelectuais, numa gama que vai desde os estudantes tagarelas, passando pelos ideólogos de partidos, até os assessores e conselheiros de potentados da política e das finanças, culminando nos círculos discretos ou até semi-secretos de inteligências privilegiadas (como por exemplo a Fabian Society de 1883, o núcleo fundador da Escola de Frankfurt, o grupo de Stefan George ou a tariqah de Frithjof Schuon). Das idéias que aí circulam, algumas são esquecidas, algumas se modificam até tornar-se irreconhecíveis, outras acabam por se transmutar em forças políticas num prazo mínimo de trinta anos. [continue lendo]