Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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NO MUNDO DA LUA: reflexões e borrões – parte III

Por Dartagnan da Silva Zanela

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1. 
Muitos são os tipos humanos que se aventuram na selva das disputas políticas, porém, podemos, provisoriamente, resumi-los em duas grandes categorias. A primeira seria a dos oportunistas de carreira. A segunda a dos que tem um propósito, bom ou mau, a ser realizado em longo prazo.

Os primeiros desejam apenas se dar bem a qualquer custo. Os segundos não medem os custos para realizar o seu projeto de poder. Os oportunistas acreditam que a sua maneira vil e astuta é o supra-sumo da sabedoria prática. Já aqueles que se dedicam a um projeto de poder, aproveitam de todos os meios possíveis para realizá-lo, inclusive aliar-se, ou dividir-se, momentaneamente, com aqueles que não enxergam nada que vá além dos momentâneos interesses miúdos.

A partir dessas pobres observações, penso que fica evidente porque o Foro de São Paulo e seus aliados são praticamente uma força insuperável na América Latina. Eles são os únicos que tem suas ações organizadas com vistas a realizar um projeto que não se resume no ganhar de fulano ou sicrano numa eleição.

Desgostemos ou não, eles são a única força política organizada. Os demais não passam duma massa desorientada e fragilizada de oportunistas que apoiam qualquer fim desde que lhe caia alguma vantagem momentânea em suas mãos.

2. 
Há uma diferença substancial entre uma militância organizada e treinada e uma massa eleitoral amorfa. Pra começo de prosa, um militante está disposto a fazer sacrifícios pelo seu partido, já um eleitor, anônimo e desarticulado, bem ou mal informado, exige sacrifícios do partido que receberá seu voto.

O militante, seja ou não um ano de eleição, está, como direi, antenado com as diretrizes, palavras de ordem, jargões, etc., que o seu partido apresenta para serem disseminados na sociedade. O eleitor, por sua deixa, passado o pleito, retorna a sua vida e, em muitos casos, torna-se o principal crítico do partido eleito, por ver que suas esperanças foram naufragadas após a vitória do mesmo.

Naturalmente, o grupo político que tenha uma militância coesa, disciplina e organizada será a força política determinante em médio prazo. E tem mais! Se esse grupo tiver em suas mãos os principais instrumentos de poder, gostemos ou não, ele será uma força praticamente invencível.

Por isso, enquanto não houver uma força organizada em torno dum projeto que seja maior que uma vitória eleitoral, grite-se o quanto quiser, a maré vermelha continuará no poder.

3.
São João da Cruz, com suas pontuais palavras, nos lembra para que não tenhamos outro desejo senão “[...] entrar, apenas por amor a Cristo, no despojamento, no vazio e na pobreza em relação a tudo o que existe na terra. Não experimentareis outras necessidades a não ser aquelas a que assim submetestes o vosso coração. O pobre em espírito (Mt V; 3) nunca se sente tão feliz como quando se encontra na indigência; aquele cujo coração não deseja nada está sempre livre. Os pobres em espírito dão com grande generosidade tudo o que possuem. O seu prazer é passar sem as coisas, oferecendo-as por amor a Deus e ao próximo (Mt XXII; 37ss). […] Não são apenas os bens, as alegrias e os prazeres deste mundo que nos atravancam e nos atrasam no nosso caminho para Deus; também as alegrias e as consolações espirituais são, em si próprias, obstáculos ao nosso progresso, se as recebermos ou as procurarmos com espírito de posse”.

4. 
Se há algo que nos escapa por entre os dedos feito areia é nossa maturidade. Todo santo dia deve-se labutar para reconquistá-la, porque os assédios que são apresentados pela sociedade contemporânea para nos manter perenemente infantilizados, ou imersos numa adolescência sem fim, são muitos, indiscretos e persistentes. E se a extraviarmos, corremos o risco de não sentirmos a sua falta devido ao conforto que os círculos de perpétuos imaturos nos regalam. Por isso, se não nos mantivermos atentos, perecemos.

5. 
Mais repulsivo do que o futuro que os progressistas involuntariamente preparam para todos nós é, segundo Nícolas Gómes D’Ávila, o futuro que eles sonham. Futuro que, graças a Deus, eles não conseguem realizar. Entretanto, não se cansam de tentar concretizá-lo e de nos infernizar com seus sulfurosos pesadelos.

Pax et bonum
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Oração de Santo Agostinho

Diante de Vós, Senhor, apresentamos o fardo dos nossos crimes e simultaneamente as feridas que por causa deles recebemos.
Se pensarmos no mal que fizemos, é bem pouco o mal que sofremos e muito maior o que merecemos.
Foi grave o que ousamos cometer e leve o que agora sofremos.
Sentimos que é dura a pena do pecado e no entanto não nos decidimos deixar a ocasião dele.
A nossa fraqueza geme esmagada sob o peso dos castigos com que nos punis justamente, e a nossa maldade não quer se desfazer dos seus caprichos.
O espírito anda atormentado, mas a cerviz não se verga. 
A nossa vida suspira no meio das dores e não nos corrigimos. 
Se contemporizardes conosco, não nos emendamos, e se tirais de nós vingança, gritamos que não podemos.
Se nos castigais, sabemos declarar que somos réus, mas se afastais por um pouco a Vossa ira, esquecemos logo o que deploramos.
Se levantardes a mão, logo prometemos a emenda, se retirais a espada, já nos esquecemos da promessa.
Se nos feris, gritamos que nos perdoeis, se nos perdoais logo entramos de Vos provocar.
Tendes-nos aqui, Senhor, diante de Vós, confessamos os nossos pecados; se Vos não amerceais de nós, aniquilar-nos-á a Vossa justiça.
Concedei-nos Pai onipotente, o que sem merecimento algum de nossa parte Vos pedimos, Vós que nos tirastes do nada.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Amém.

V. Senhor, não nos trateis segundo os nossos pecados.
R. Nem nos castigueis segundo as nossas iniqüidades.

Oremos – Ó Deus, a quem o pecado ofende e a penitência propicia, olhai favoravelmente para as preces do Vosso povo e relegai para longe os vossos castigos da Vossa ira, que merecemos com os nossos pecado. Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

O DILEMA DE TOMÉ

Redigida no dia 26 de agosto de 2014, dia de Santa Teresa de Jesus Jornet e Ibars e de Santa Micaela do Santíssimo Sacramento. Vigésima primeira semana do Tempo Comum.

Por Dartagnan da Silva Zanela

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Todos nós temos gravado em nossa alma algo dos doze. Se formos capazes de remover as traves de nossas vistas, poderemos reconhecer na pessoa de cada um dos doze apóstolos muitas de nossas falhas íntimas e, ao mesmo tempo, as virtudes que deveríamos realizar em nossa alma. E podemos perceber isso em diferentes proporções nas mais diversas combinações.

Doravante, para que tenhamos tal percepção, basta que, inicialmente, paremos de fingir que estamos analisando o texto bíblico, como normalmente fazemos, e permitamos que as suas santas palavras nos analisem. Basta que deixemos de querer avaliar as personagens presentes no Evangelho, como se fôssemos moral e espiritualmente superiores a elas, e nos coloquemos em nosso devido lugar. Em nosso diminuto lugar.

Uma atitude simples, para almas puras. Porém, para seres maculados como nós, tal esforço é muitas das vezes uma tarefa quase que hercúlea, porém, é fundamental que cada um ouse desvencilhar-se de sua soberba primordial para poder vislumbrar a nossa condição humana original.

Por isso, tendo essa dura atitude em vista, vem-me à mente a imagem da bela pintura de Caravaggio, intitulada “A incredulidade de São Tomé (1599)”. Aliás, a vacilação de São Tomé é o drama que, em muitos aspectos, nos remete ao dilema apontado acima e que, o grande pintor retratou de maneira tão feliz.

Quando deito minhas vistas na figura, pintada pelo artista citado, do santo que duvidou, sofro, imaginativamente, a dor que provavelmente ele sentiu quando viu diante das janelas de sua alma o Cristo ressuscitado tendo de colocar seu dedo em suas chagas. Vendo a cena e colocando-me no lugar de Tomé compreendo o quão complexo é o sentimento de incredulidade. O quanto é difícil o parir libertador da fé que exige de nós o abandono da soberba.

 Até o aparecimento do Cristo ele estava relutante. Não considerava crível tudo o que lhe fora relatado. Não aceitava. Não confiava na palavra das pessoas que tinha na conta de irmãos. Desconfiava em absoluto da honestidade de todos menos dos raciocínios que ele havia elaborado para tentar explicar os fatos que ele havia participado. Ou seja: ele desconfiava de todos e de tudo, menos de sua inabalável certeza edificada a partir de seu limitado horizonte de consciência e, por isso, num misto de petulância e desespero, propõem o desafio que todos nós conhecemos.

O desafio foi aceito por Deus, e o final desse causo todos conhecemos. E é este momento que, penso eu, Caravaggio teve grande sensibilidade em retratar. Na pintura, Cristo guia a relutante mão de Tomé até a Sua chaga do costado enquanto ele, estarrecido, desvia os olhos da ferida e do Cristo, da face da Verdade que está diante de seus olhos e que está sendo tateada por seus dedos. Ao vê-lo pintado dessa forma, tenho a impressão de que ele estaria, em seu íntimo, repetindo: “não pode ser! Não pode ser...”.

Tal atitude é mui similar a nossa atitude diante da Verdade. Todos cremos, sim, mas de maneira cambaleante. Se formos sinceros para conosco reconheceremos que, muitíssimas vezes, nossa fé é muito mais uma reles convenção social que seguimos desde tenra infância do que outra coisa. Raramente procuramos aprofundá-la e, principalmente, não fazemos dela o centro ordenador de nossa vida.

Somos hesitantes. Hesitamos em reconhecer essa mácula e nos irritamos se isso nos é atirado nas ventas porque, infelizmente, há uma porção de nós que nega Deus, que se revolta contra Ele, que quer colocar-se no lugar Dele para corrigir os Seus preceitos e a Sua vontade. Enfim, há em cada um de nós uma porção que se nega a aceitar a honestidade dos Evangelhos colocando-se acima deles. Uma porção que reluta em colocar o dedo na ferida de nossa vaidosa condição que nega a Verdade para não termos de sair de nossa zona de conforto existencial.

Enfim, há algo de São Tomé em cada um de nós, mesmo que nos recusemos a reconhecer esse fato. Mesmo que relutemos em tocar essa dolorosa ferida. E mais! Falta-nos ainda a fé e a coragem do Santo que, após duvidar, caiu de joelhos.

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Direção Espiritual: A importância do perdão


OS FILHOS DE CAIM

Redigida no dia 19 de agosto de 2014, dia de São João Eudes. Vigésima semana do Tempo Comum.

Por Dartagnan da Silva Zanela

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Quem muito quer parecer nega o ser. Esse é o problema fundamental presente no âmago do bom-mocismo que hoje impera em nossa sociedade que destoa, radicalmente, do bem.

Quando ouvimos as preleções politicamente corretas que são-nos repetidas freneticamente, quando somos obrigados a ouvir toda aquela surrada opereta, notamos que o que há, no fundo, de toda aquela aparente bondade não é o desejo de fazer o bem, mas sim, uma refinada forma de rancor camuflado sobre muitas camadas de postiças boas intenções.

Não é por menos que toda vez que uma alma toda imersa e cegada por clichês progressistas demonstram muito mais, em suas falas adocicadas, ódio por aqueles que destoam de seus pressupostos do que realmente uma sincera preocupação para com o próximo. Aliás, amar o próximo não se evidencia com palavras melosas. Evidencia-se com atos anônimos e silenciosos.

De mais a mais, ao contrário do que rege o povo dos slogans do bem, da tolerância e tutti quanti, a bondade não é um pressuposto para se cultivar uma vida moral. Ela deve ser o fruto dela. O contrário disso é malícia inescrupulosa. Ponto.

Doravante, um dos dados mais óbvios da vida humana é que ela, a vida, é tecida por uma sutil trama de desafios que nos são postos, trançados com as respostas que apresentamos a eles. Cada uma dessas respostas sinaliza nossa inclinação para determinados valores que, por um ato de vontade, elegemos.

Cada ato, principalmente os atos mínimos, espelham os valores que cultivamos como sendo prioritários em nossa conduta, em nossa maneira de ser e, por isso, toda vez que vejo, ouço ou leio uma inflamada manifestação politicamente correta, salta-me aos cinco sentidos muito mais o rancor que está contido no coração do falante que as profere do que qualquer outra coisa, haja vista que toda sua postiça bondade não reflete, nem de longe, um franco esforço para ser bom, mas apenas um desejo imaturo de querer parecer bom aos olhos daqueles que, como ele, vivem duma fantasia bordada com incoerências e fingimentos.

Nesse sentido, podemos, sem medo de equívoco, comparar esses tipos humanos, tão presentes em nossa sociedade, com a figura do irmão de Abel. Caim, quando realizou sua oferenda a Deus não o fez por amor Àquele que é. O fez por ódio, inveja e rancor de seu irmão.

Ele, Caim, não oferecia o que ele possuía de melhor em sacrifício a Deus, porque sua vida de mentiras existências, fingimentos, de bom-mocismo, impedia-o de enxergar o mal latente em seu coração, que precisava ser reconhecido para poder ser extirpado.

Todavia, o que ele fez? Culpou Abel pelo mal que havia em seu coração. Projetou sobre seu irmão todo o seu ressentimento e amargor. Sacrificou, no altar de seu orgulho e soberba, aquele que se esforçava em ser bom, para que ele pudesse sentir-se mais cômodo e confortável com sua pseudo-bondade de butique progressista. 

Por fim, quantos não são os filhos de Caim que perambulam de lá para cá com suas almas embebidas em fel? Quantas e quantas vezes nós não nos portamos como seus herdeiros? 

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NO MUNDO DA LUA - reflexões e borrões – parte II

Por Dartagnan da Silva Zanela

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1.
Há que faça a defesa do indefensável. E como há. Mas o intrigante não é vermos uma pessoa realizar a defesa de algo repugnante como sendo equivalente ou mesmo superior a algo, de fato, louvável. Não mesmo. O questionamento que considero relevante é saber o que leva uma pessoa fazer isso. As repostas possíveis a essa pergunta, sim, considero relevantes. Se houver uma, poderemos compreender os seus fundamentos. Se não existir razão alguma, poderemos tentar compreender o que leva uma pessoa optar tão levianamente pelo grotesco e absurdo. Tentar porque, realmente, é difícil entender.

2.
O livro Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis, é uma jóia preciosa. Dentre os preciosos tesouros que podemos colher com nossas vistas em suas laudas, temos esse que nos diz que: “Jesus tem agora muitos que amam o seu reino, mas poucos que gostem de carregar a sua cruz. Tem muitos que desejam consolação, mas poucos tribulação. Encontra bastantes companheiros de mesa, mas poucos de abstinência. Todos desejam alegrar-se com Ele, mas poucos querem suportar por Ele alguma coisa. Muitos seguem Jesus até à fração do pão, mas poucos até ao beber do cálice da Paixão. Muitos veneram os seus milagres, mas poucos seguem a ignomínia da Cruz. Muitos amam a Jesus, enquanto as adversidades não os tocam. Muitos O louvam e bendizem enquanto dele recebem quaisquer consolações, mas se Jesus Se esconder e os abandonar um pouco, caem nos queixumes ou em grande abatimento. Aqueles, porém, que amam Jesus por Jesus, e não por si próprios, bendizem-No em toda a tribulação e angústia, tal como na maior consolação. E, ainda que Ele nunca lhes quisesse dar consolação, louvá-Lo-iam sempre e sempre Lhe quereriam dar graças. Oh, quanto pode o puro amor a Jesus, não misturado a nenhuma comodidade pessoal ou amor próprio!”

3.
Algumas pessoas não sabem servir ao próximo nem mesmo com um gesto mínimo. Outras tantas não prestam nem mesmo para dar uma resposta minimamente descente. Porém, há aqueles que, definitivamente, não servem pra nada e, por serem detentores dessas credenciais, ocultam-se por detrás dum carguinho, ou d’algo similar, que lhe invista duma autoridade para tentar mal disfarçar sua imoral e descarada nulidade.

4.
Tudo... Tudo se torna obscuro e sombrio quando a mentira se traveste de autoridade, quando o engano apresenta-se como sendo a verdade, quando a falsidade faz pose de excelsa dignidade. Tudo... Tudo mesmo coloca-se a perder na vala da mesquinhez quando se esvai a última gota de vergonha na cara. Se é que há alguma na cara deslavada de quem faz da mentira profissão e da picaretagem brasão de autoridade.

5.
É ruim quando falhamos. E como falhamos. Todo santo dia decepcionamos alguém. Não que sejamos feitos para isso, mas, inevitavelmente, fazemos isso com uma freqüência muito maior do que desejamos. Todos nós sabemos disso e, por isso, perdoamo-nos mutuamente e nos esforçamos, na medida do possível, no intento de não mais errar.

Todavia, há algumas inumanas almas que erram, orgulham-se de seus erros, os repetem habitualmente e, nem de longe, ventilam a possibilidade de escusar-se pelo malfeito. Agem desse modo, escudando-se em títulos, sinecuras e investiduras de potestades e, por isso, erram sem lamentar e ferem sem arrepender-se por acreditarem que estão acima de tudo e de todos, ao mesmo tempo em que manifestam, através de seus atos e palavras, sua total pequenez e nulidade.


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QUE SIGA O CORTEJO

Redigida no dia 12 de agosto de 2014, dia de Santa Joana Francisca de Chantal, do Beato Amadeu da Silva e de Santa Beatriz. Décima nona semana do Tempo Comum.

Por Dartagnan da Silva Zanela

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Quando era mais moço, havia lido com muito gosto o livro “Sociedade sem Escolas” de Ivan Ilich. Com o tempo, outros livros de sua lavra acabaram caindo em minhas mãos para o deleite de meus olhos, porém, considero a obra apontada uma leitura fundamental para todo aquele que realmente se preocupa com a educação, com a formação das gerações mais tenras, de nós mesmos, e não apenas com questões de ordem corporativa ou, como ocorre em muitos casos, porque pega bem, hoje em dia, falar da importância da educação.

Se nós consideramos a educação uma prioridade, imagino que seja de bom tom que nos indaguemos sobre o estado em que se encontra a nossa. Se proclamamos aos quatro ventos que é de fundamental importância o cultivo duma boa formação humanística creio que seja mais do que apropriado nos perguntarmos a quantas anda a nossa formação, ou deformação.

De fato, não temos como negar que sempre quando somos indagados sobre esse quesito, invariavelmente, lembramos o quanto que o povo, sempre o povo, brasileiro é inculto, o quanto que ele encontra-se aferrado em produções culturais de duvidoso valor. Pois bem, mas e nós, quais bens cultivamos em nossa alma? Sejamos francos: acusa-se o povo brasileiro de ser destituído de cultura para melhor justificarmos não apenas a nossa carência desse bem, mas também, e principalmente, o nosso desdém e desamor por tudo que seja mais elevado que nosso deseducado gosto.

É claro que a indústria cultural tem lá sua cota de responsabilidade, ninguém nega isso. Entretanto, ninguém é obrigado a ouvir, assistir ou ler algo que seja vulgar. Se o fazemos em nosso tempo livre e nos agradamos com isso, é porque a vulgaridade apreciada nesses momentos diz muito mais a nosso respeito do que podemos suspeitar, ou que nos recusemos a admitir.

De mais a mais, muitas dessas almas fragmentadas, partidas em muitíssimos cacos, estão tão destruídas, desumanizadas, que, para elas, a possibilidade de saírem desse lodo existencial e aprenderem que há uma diferença substancial entre um bem cultural e um reles entretenimento massificado é, no mínimo, mórbida.

Definitivamente, podemos pouco contra essa onda que assola nossa época. Não dispomos de meios para reverter esse quadro degradante. Todavia, podemos enrijecer nossa vontade e, com parcimônia, corrigirmos os males que dia após dia são impingidos em nossa alma por essa mentira sistematicamente organizada a partir dum relativismo cultural irresponsável.

Tal enrijecimento não ira, infelizmente, fazer cessar os ataques que sofremos diariamente por parte da grande mídia, da mídia miúda, do sistema educacional, dos círculos sociais, não mesmo. Porém, tal fortalecimento irá nos ajudar a resistir e, quem sabe, atrair outras pessoas que estejam imersas na muvuca cultural reinante.

Então devemos começar a nos matar estudando? Não. Não faz o menor sentido. Aliás, não sou muito bom nisso, mas, se for-me permitido, deixe-me dar um palpite: comece lentamente, como num processo de condicionamento físico. Procure, todo santo dia, fazer a leitura dum soneto. De preferência de Camões, Bogage ou Gregório de Matos. Mas apenas um por dia. O mesmo três vezes ao dia, murmurado (ou em voz alta, se possível). Com o passar de duas a três semanas, você irá notar que o seu vocabulário terá mudado. Que a forma de você construir as suas frases também e, inclusive, o modo como você se expressa verbalmente.

Também selecione algumas músicas para ouvi-las muitas vezes ao dia, especialmente naqueles momentos em que estamos no meio do fervo do vai e vem diário. Algo que realmente fuja ao vulgo cotidiano como, por exemplo, JESU, REX ADMIRABILIS de Giovanni Pierluigi da Palestrina, ou JESUS, ALEGRIA DOS HOMENS de Johann Sebastian Bach. Em pouco tempo, sem perceber, da mesma forma que ficamos cantarolando as anti-músicas que polulam em nossa sociedade, estaremos cantarolando essas melodias que irão integrar a nossa personalidade, dando um novo ritmo a nossa vida.

E não apenas isso! Visualize, uma vez ao dia, a imagem duma grande obra de arte. Veja fotos duma catedral gótica, duma escultura renascentista, duma pintura barroca para, deste modo, elevar sua percepção do belo.

Sem mais delongas, tanto os sonetos, as músicas e as pinturas, podem ser encontradas graciosamente na internet e baixadas em seu celular. Veja só: um objeto que em muitíssimos casos tem sido um instrumento de bestialização pode converter-se numa eficiente ferramenta para auxiliar-nos em nossa educação. Se assim desejamos, é claro. Caso contrário, que siga o cortejo.

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NO MUNDO DA LUA: reflexões e borrões – parte I

Por Dartagnan da Silva Zanela

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1.
Não há educação sem regra. Não há. E quando falamos de regras não estamos nos referindo a um conjunto de normas institucionais que devem ser observadas com vista a garantir um saudável convívio entre os indivíduos. Refiro-me sim a necessidade de regras que são absorvidas pelo sujeito a fim de tornar-se, gradativamente, a mediatriz de sua conduta exterior e interior.

Só há educação, de fato, quando nós, humildemente, procuramos nos curvar diante do objeto de nossa apreensão e conhecimento. Por isso a necessidade duma regra para nos auxiliar nesse intento. Do contrário, o que acaba ocorrendo é o império de nossa soberba e vaidade que exige que os objetos se amoldem ao tamanho diminuto de nossa capacidade cognitiva, tão limitada por nossa parca vontade. Ou seja: não regrando nossa vontade, acabamos por desregrar nossa vida e, consequentemente, nossa formação.

Por isso que todas as ordens religiosas estabeleciam uma regra. Por essa mesma razão que as escolas sapienciais faziam o mesmo. Conhecer regras, seja de ordens religiosas ou de escolas sapienciais, pode ser um salutar remédio para nos auxiliar no ordenamento dos descaminhos da educação contemporânea. Ordenamento não do sistema, não mesmo. Mas do nosso caminhar, individual, se assim julgamos necessário.

2. 
Há uma regra d’ouro que deve ser guardada para realização duma boa formação. Duma boa educação. Encontramo-la tanto presente na sabedoria oriental como na ocidental. Ensina-nos, por exemplo, o brocardo chinês que quando não se tem nada de relevante a dizer, devemos calar. Por sua deixa, a Regra não bulada proposta por São Francisco de Assis afirma que devemos nos empenhar em guardar silêncio. Seja como for, tanto lá como cá, todos os sábios de todas as épocas e de todas as terras bem sabia que devemos aprender a silenciar para aprender bem qualquer coisa, principalmente a sermos gente, como diriam os populares.

O alarido constante, o falar sem medida o tempo todo não é sinal de largueza de espírito, mas apenas sintoma duma desmedida inquietação que impede o indivíduo de centrar-se de maneira apropriada em algo.

Essa inquietação impede o sujeito de bem ouvir, dificultando a sua atenção e, consequentemente, tolhendo a sua compreensão. Tal observação, não é uma conjectura, mas sim, a simples constatação duma realidade tão obvia quanto ululante. Só não a vê quem realmente não quer.

3.
Nos ensina São Francisco de Sales: "Amai toda a gente com um grande amor de caridade, mas reservai a vossa amizade profunda para aqueles que podem compartilhar convosco coisas boas. […] Se as compartilhardes na área de conhecimento, a vossa amizade é sem dúvida louvável; mais ainda o será se as comunicardes no campo da prudência, da discrição, da força e da justiça. Mas se o vosso relacionamento é baseado no amor, na devoção e na perfeição cristã, oh Deus, como a vossa amizade é preciosa! Ela será excelente porque vem de Deus, excelente porque busca a Deus, excelente porque o seu vínculo é Deus, porque vai durar para sempre em Deus. Como é bom amar na terra como se ama no céu, aprender a amar neste mundo como faremos eternamente no outro!"

4.
Ensina-nos São João Crisólogo: "Ninguém é mais rico do que aqueles que abraçam de vontade e de todo o coração a pobreza […], e são mais ricos do que os reis; estes, tendo grandes necessidades, temem que lhes faltem os recursos, ao passo que aos pobres nada falta, porque nada temem. Pergunto-vos então: quem é mais rico, aquele que se afadiga para amealhar cada vez mais […], ou o que se contenta com o pouco que tem como se vivesse na abundância? […] O dinheiro torna o homem escravo: 'Os presentes e as dádivas cegam os olhos dos sábios' (Sir 20,29), diz a Escritura".

5.
Ensina-nos Santo Agostinho: “Nosso Senhor foi um modelo incomparável de paciência: aguentou um demônio entre os seus discípulos até à sua Paixão (Jo 6,70). Dizia Ele: “Deixai um e outro crescer juntos, até à ceifa, para que não suceda que, ao apanhardes o joio, arranqueis o trigo ao mesmo tempo” (Matheus XIII; 29). Tendo a rede como símbolo da Igreja, predisse que esta traria para a praia, quer dizer, até ao fim do mundo, toda a espécie de peixes, bons e maus. E deu a conhecer de muitas outras maneiras, tanto abertamente como através de parábolas, que haveria sempre essa mistura de bons e maus. E, no entanto, afirmou que é necessário vigiar pela disciplina na Igreja quando disse: “Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão (Matheus XVIII,15)”.

E o Bispo de Hipona continua, dizendo-nos: “Mas hoje vemos pessoas que só tomam em consideração os preceitos rigorosos, que mandam reprimir os que causam perturbação, que ordenam que “não se dêem aos cães as coisas santas», que se «tratem como aos publicanos” aqueles que desprezam a Igreja, que se repudiem do seu corpo os membros escandalosos (Matheus VI, 6; XVIII, 17; V, 30). O seu zelo intempestivo causa muita tribulação à Igreja, porque desejariam arrancar o joio antes do tempo e a sua cegueira faz deles próprios inimigos da unidade de Jesus Cristo. […] Tomemos cuidado em não deixarmos entrar no nosso coração estes pensamentos presunçosos, em não procurarmos destacar-nos dos pecadores para não nos sujarmos com o seu contacto, em não tentarmos formar como que um rebanho de discípulos puros e santos. Sob o pretexto de não frequentarmos os maus, conseguiríamos apenas romper a unidade. Pelo contrário, recordemo-nos das parábolas da Escritura, dessas palavras inspiradas, desses exemplos tocantes, onde se nos demonstra que os maus estarão sempre misturados com os bons na Igreja, até ao fim do mundo e até ao dia do juízo, sem que a sua participação nos sacramentos seja prejudicial aos bons, desde que estes não participem dos pecados daqueles”.

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Jesu, rex admirabilis, de Giovanni Pierluigi da Palestrina

TERRA ARRASADA

Escrevinhação redigida em 28 de julho de 2014, dia de São Vítor I e da Beata Maria Teresa Kowalska. Décima Sétima semana do Tempo Comum.

Por Dartagnan da Silva Zanela

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Em qualquer rincão que colocarmos nossos cansados pés, inevitavelmente ouvimos uma grande ladainha de queixumes quanto ao decrépito estado em que se encontra a administração pública em nosso país. Juntamente com esses colóquios, sempre temos a apresentação duma gama surreal de soluções para todos os azedumes que desgostam nosso paladar em relação à vida política na grande polis brasileira, e bem como nas inúmeras menores que lhe dão forma.

Os queixumes são justos. Praticamente incontestáveis são os males que assolam a sociedade brasileira que tem seu nascedouro nos mandos e desmandos dos timoneiros que estão à frente dessa nau desgovernada. Quanto às soluções, essas, em sua maioria, são verdadeiros tiros no escuro. Tiros no próprio pé, na maioria dos casos.

De minha parte, confesso, não saberia nem mesmo por onde começar. Pra falar a verdade, me assusta a leviandade que perpassa a esfera pública que se vê dominada por uma sulfurosa atmosfera de inabilidade, congênita e maliciosa, travestida de presunção orgulhosa. Atmosfera essa que corrompe até os mais dignos corações. E, quem o diga os fracos que tão facilmente se deixam seduzir pelas bagatelas que são ofertadas nesse meio que exige os mais mirabolantes malabarismos políticos daqueles que desejam fazer algo realmente sério. Malabarismos esses que, nem de longe, garantem a realização do bem comum.

Para ilustrar o que afirmo, lembro aqui, uma confissão feita por um homem público de distante província, que admiro apesar de discordar de suas inclinações políticas. Dizia-me ele que em conversa com uma velha raposa de sua terra, falava-lhe da necessidade de tornar a administração pública mais eficiente e que, para isso, deveria haver um maior zelo pela competência dos quadros que servem a sociedade. O senil “coronel” disse-lhe, de maneira lacônica: “em política, meu jovem, não há competência e eficiência. Em política há companheirismo”.

Essa é uma resposta cínica, sim, mas expressa uma verdade que, por sua deixa, é cínica também. E, para o desgosto do meu amigo, tão sério quanto idealista, viu o seu castelo de cartas caindo diante da realidade mais patente que lhe foi tão duramente revelada.

Sabemos ou, ao menos, deveríamos saber, que um homem público não deveria temer a competência dos seus auxiliares, como nos lembra o historiador Marco Antônio Villa. Mas temem. Compromissos firmados em campanha, projeção de possíveis acordos futuros, troca de favores e tutti quanti, encontram-se, na maioria dos casos, acima de qualquer critério de eficiência. Isso sem falar nas infindáveis intrigas palacianas que pululam os paços municipais e que pesam drasticamente sobre as decisões de gestão.

Não apenas isso. Com uma frequência muito maior do que deveria, veleidades pessoais e grupais são colocadas acima do interesse público que tornam a gestão da célula básica duma democracia, que é o município, algo no mínimo estranho e, muito disso, se deve a presença acachapante de políticos profissionais na cena pública e uma monstruosa ausência de estadistas na mesma.

Por isso, ousar apresentar, mesmo que numa conversa de boteco, uma solução para os problemas públicos de nosso país sem levar em consideração essas feridas pustulentas é o mesmo que ficar concebendo, imaginativamente, várias maneiras para se fazer buracos n’água.

E é por essas e outras que, confesso, não tenho nenhuma proposta para solucionar dos problemas do Brasil, ou mesmo uma solução, diminuta que seja, aplicável a uma municipalidade. O que tenho é apenas uma resposta direta sobre a forma como um indivíduo pode e deve se relacionar com esse trem fuçado sem se desumanizar. Não ouso mais que isso porque não posso nada que vá além disso.

Pax et bonum
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