Por Dartagnan da Silva
Zanela (*)
(i)
POR MAIOR QUE SEJA A POMPA e o simulacro de superioridade que
um caipora, doutamente empavonado, queira exibir com sua artificiosa elegância
verbal, o tesouro carcomido que jaz em seu coração fica, dum jeito ou de outro,
mais que visível ao luzeiro de todos, menos para as meninas de seus olhos,
tendo em vista que esse tipo de gente não se enxerga de jeito maneira, devido a
sua intratável afetação diplomada que apenas atesta a fatuidade que infecta sua
alma.
(ii)
O POLITICAMENTE CORRETO ENTORPECE a alma de tal forma que,
quando um indivíduo é tomado por essa praga, acaba tornando-se incapaz de
distinguir um simples gracejo cáustico de um, como dizem, discurso de ódio; o
sujeito fica impossibilitado de diferenciar uma simples ironia de um ato de
violência. Isso é triste, sim senhor, mas é assim mesmo. E, assim o é, porque a
única coisa que essa tranqueira, o politicamente correto, faz é cevar o ódio
nos corações dos indivíduos ao mesmo tempo em que insufla os infelizes a
dissimular, da melhor forma possível, aquela carinha afetada de bom-moço,
cheinho de boas intenções, e, desse modo, condenando-o a viver uma vida
artificiosa, levando-o a crer que, tal fingimento, seria o suprassumo da dita
cuja da cidadania e daquele simulacro idolatrado chamado criticidade.
(iii)
É TRISTE, MUITO TRISTE, quando o caipora não sabe a diferença
entre o que seja uma ideologia e um conjunto de princípios. Aliás, verdade seja
dita: não há nada de errado em defender uma ideologia. Que cada um faça o que
bem entender de sua vida. Mas, como bom caipira que sou, continuarei achando
isso um trem muito do esquisito. Agora, a porca torce o rabo, e torce feio,
quando o tranqueira coloca uma ideologia, não interessa qual seja, acima da
soberania da realidade e no lugar da majestade da verdade. Aí, meu velho, a
doideira não é pouca não. Quando isso ocorre, o indivíduo não procura mais
esforçar-se para dilatar o seu horizonte de compreensão para poder, na medida
de suas limitações, compreender o real de modo mais amplo e profundo. Não. O
que ele anseia, com todas as forças de seu ser, em misto com a sua insânia
ideologizada, é reduzir a realidade à pequenez de sua ideologia e banir a
verdade com a sua mesquinhez fantasiada de cidadania que o impossibilita de
ver, mesmo que minimamente, qualquer obviedade ululante que contradiga, mesmo
que minimamente, a sua utopia delirante. E, como havia dito antes, que cada um
faça o que bem entender de sua vida. Mas, como bom caipira que sou, continuarei
achando isso um trem muito, muito do esquisito.
(iv)
HÁ MUITOS ANOS ATRÁS, ainda no século passado, li o que Jorge
Amado entendia por ideologia. Em suas lacônicas e imorredouras palavras, dizia
que “toda ideologia é uma merda”. Ele sabia muito bem do que estava falando. E
como eu já bebi e me embriaguei desse cálice em minha porca juventude, também
acabei chegando à mesma conclusão. Na mesmíssima obviedade.
Outra ocasião, numa entrevista que assisti, Millôr Fernandes
sentenciou algo que, confesso, também guardei para todo o sempre em meu
mesquinho e caipiresco coração. Dizia ele: “desconfio, sempre, de quem ganha à
vida com a sua ideologia”. E, a partir de então, também passei a desconfiar
desse tipo de gente tão bem intencionada.
Bem, como já havia dito, noutras linhas, nada tenho que ver
com o que cada um faz com os seus miolos. Se o caipora quer colocar a
simploriedade duma ideologia no lugar da complexidade da realidade, que fique a
vontade.
Só peço, por caridade, para que não insista que tongos, como
eu, sejam obrigados a achar essa feiura toda algo bonito e digno de aplausos e,
se possível for, que também não batam o pesinho de maneira ideologicamente sincrônica,
para exigir que suas contas sejam pagas pelo erário.
Isso mesmo. A cuca é de cada um, o excremento ideológico
também, mas não queira empurrar esse tipo de tranqueira goela abaixo de todos e
acreditar que, fazendo isso, deveria viver razoavelmente bem pela realização
dessa inutilidade pública, propagandeando que isso seria para o bem da
sociedade, da diversidade e das futuras gerações.
(*) Professor, caipira,
cronista e bebedor de café.