Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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MISTÉRIOS QUE REVELAM A VERDADE – parte III

Escrevinhação n. 784, redigido em 29 de setembro de 2009, dia dos Arcanjos São Miguel, São Gabriel e São Rafael.

Por Dartagnan da Silva Zanela

“O orgulho é a fonte de todas as fraquezas, por que é a fonte de todos os vícios”. (Santo Agostinho)
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Eis que chegamos ao terceiro Mistério (Lc II, 1-21), o nascimento Nosso Senhor Jesus Cristo. O Verbo Divino se fez carne para redenção de nossas faltas (que não são poucas, diga-se de passagem). Quando medito, silenciosamente, sobre esse mistério gozoso, confesso que meus olhos marejam em meio às lágrimas e lhes digo a razão disso.

Primeiramente, me permitam contar uma breve história. Certa feita um grande amigo, e mestre, o filósofo Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, relatou-me uma Santa Missa que fora presidida por um Santo homem, o falecido Padre Carmelita. Logo no início da Celebração comunicou a todos que estava acomodado na sacristia um casal de retirantes (ele na época morava na grande São Paulo). A esposa estava grávida e ele solicitava, encarecidamente, que alguém pudesse abrigá-los apenas por uma noite, pois, no dia seguinte, o casal já teria um destino apropriado. Ninguém se manifestou.

Seguiu-se a Celebração e antes de finda-la, o padre mais uma vez perguntou se alguém poderia dar abrigo ao casal. E, em meio ao silêncio, um modesto senhor que residia em uma simplória pensão manifestou-se e disse que cederia o seu quartinho e sua cama para o casal e que ele de bom grato dormiria em um outro cantinho da pensão.

Detalhe: essa Santa Missa era de Natal. Quando o senhor se manifestou, o padre convidou o casal para entrar e disse a todos e eu, aqui, nestas parvas linhas, repito: esse casal era São José e Santa Maria e o menino em seu ventre, Nosso Senhor. Mesmo passado praticamente dois mil anos Jesus Cristo nasceria no lugar mais humilde e seria desprezado por todos devido a dureza de nossos corações.

Por isso que minha alma chora diante desse mistério. Deus se fez presente entre os homens e nós, de nossa parte, continuamos a virar as costas para Ele. Mesmo com o passar de todas essas centúrias continuamos a agir e a viver como sepulcros caiados. A verdade está diante de nossos olhos assaltando nossas vidas e o que fazemos? Baixamos a cabeça, lamentamos, e esperamos que alguém seja realmente Cristão, mas não diante de nossa vista, é claro.

Podemos até, em um primeiro momento, agir de modo similar aos pastores que recebendo o anuncio do anjo rapidamente foram junto à manjedoura onde estava o Menino. Porém, tal qual esses pastores, não perseveramos em nossa luta espiritual. No momento de júbilo, lá estavam, presentes, mas depois, para onde foram? Similar a todos nós que nos fazemos presentes nos momentos de festejo, de alegria e que, logo em seguida, sumimos e nos retiramos para o interior de nossa fétida alcova existencial.

Além desse ponto, há outro que julgo ser de grande relevância sobre o Nascimento de Nosso Senhor que é o seu significado análogo com a alegoria da Caverna do filósofo grego Platão (A República, livro VII). Na referida alegoria um dos agonizantes sai da caverna onde estava agrilhoado e contempla o Sol da Verdade. Após tal visão o sujeito corre para o interior da mesma para partilhar com os demais a visão que tivera da estrutura do real.

Bem, o nascimento de Cristo é profundamente mais significativo, obviamente, e Platão com certeza concordaria. Primeiro que uma estrela com brilho incomum iluminou o céu daquela noite a mais ou menos de dois mil e nove anos passados, correto? É, e não foi um reles mortal que partiu da caverna para acender a procura da Verdade, foi o próprio Sol da Verdade, que desceu até a gruta e em uma modesta manjedoura apresentou a sua majestade para que todos conhecessem o caminho, a verdade e a vida.

Doravante, de modo análogo a alegoria da caverna, o fim dessa história é semelhante. Do mesmo modo que os agonizantes da caverna platônica em um primeiro momento desprezaram, perseguiram e mataram o indivíduo que teve uma visão da Luz da Verdade, nós, de nossa parte, continuamos até hoje, insistindo em ficar agrilhoado na caverna escura e sombria do pecado, da ignorância voluntária, desprezando a Verdade revelada que se fez carne. Se isso já não bastasse, perseguimos sutilmente o eco de seu magistério e, covarde e silenciosamente, matamos a semente que no âmago de nosso coração, quer germinar e dar bons frutos.

Mário Ferreira dos Santos em seus comentários ao diálogo Parmênides de Platão, nos lembra que nos tornamos “um” quando aceitamos participar do Uno e que nos dissolvemos em uma multiplicidade irreal e nebulosa quando o negamos. Aceitar o Verbo, o Logos, é aceitar a Verdade que ilumina a nossa vista e, consequentemente, ao transpassar essas janelas, ilumina todo o nosso ser nos tornando “um” com o Uno. Ou como nos ensina São Paulo (Gálatas II, 20): “Eu vivo, mas já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim”.

Ainda, sobre esse ponto, a Constituição Dogmática DEI VERBUM nos lembra que “Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e tornar conhecido o mistério de sua vontade, pelo qual os homens, por intermédio do Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina”.

Ora, para se conhecer a Verdade é fundamental que primeiramente aceitemos a sua presença em nossa vida. Para realmente podermos viver de modo digno e reto, temos que aceitar seguir o caminho que nos é apresentado e iluminado pelo Sol da Verdade que bilha nesta noite escura, como diria São João da Cruz.

Por fim, Ele se fez carne para que nós pudéssemos reconhecer Nele o que há Dele em nós, para que possamos ver em Seu nascimento o nosso renascimento. Porém, antes de qualquer coisa, temos que aceita-lo em nossa vida, em nossa alma e estarmos realmente dispostos a ter de enfrentar a recusa e a perseguição sutil e dissimulada do espírito do mundo e de seus escravos bestializados pela ignorância e pelo orgulho que, no mundo hodierno, não são poucos, diga-se de passagem.

Se você realmente está, disposto a isso, faça de seu coração uma manjedoura e renasça junto ao Logos que Se fez carne e assim permitir que a Verdade o liberte desta fétida caverna de ilusões e vaidades que é uma vida vivida em um mundo que estupidamente se aparta Daquele que É.

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