Por Dartagnan da Silva
Zanela
Mais um fim de ano, mais um
Natal, mais um encontro com a verdade sobre nós, um teti a teti com a verdade
que nos habita.
Detalhe: não quero com essa
lacônica afirmação repetir aquele velho e surrado clichê que todos conhecem, e que
muitos outros repetem com aquele narizinho entupido de superficialidade, de que
tudo no fim de um ano resume-se a um punhado de reles rituais consumistas de
troca de presentinhos e de encontros com amigos e familiares onde a hipocrisia
reina. Tempo esse, segundo os surrados clichês, onde são trocadas lembrancinhas
que foram compradas muito mais com o desejo de cumprir uma obrigação social
brega do que por amor àquele que é regalado com o mimo.
Apesar desse chavão, como todos
os chavões, ter lá o seu “Q” de verdade, não é disso que pretendo falar não
cara pálida nessa breve missiva.
Penso que esse tempo pouco ou
nada tem haver com o que é apontado por colocações como essa e, quando o tem, frases
feitas nesse tom acabam dizendo muito mais a respeito do que existe na alma dos
autores desse tipo de preleção que, por um entojamento politicamente correto, acabam
cegos, não vendo a vida humana tal qual ela é, com suas grandezas e misérias
cotidianas.
Não que tais almas estejam
mentindo. Também não é isso não. O problema é que essas almas, mesmo que bem
intencionadas, com suas ditas boas intenções, veem apenas a miséria humana em
seus desafetos e pintam grandezas pra lá de sobre-humanas sobre si mesmas;
grandezas essas, inexistentes em seus coraçõezinhos, na maioria das vezes.
Não há nada mais torpe e mais
canalha que isso.
Por isso, em mais esse fim de
ano, nesse tempo natalino, mesmo que queiramos gazear, temos um encontro
marcado com a verdade sobre nós que, por sua natureza, e devido a nossa decaída
condição, manifesta-se de maneira ambivalente e contraditória em nós e para nós,
porque a verdade sempre exige de nosso ser uma predisposição dialética para
evidenciar aos nossos olhos as contradições presentes, latentes e patentes em
nosso ser.
Como todos os anos, temos
presentinhos, festinhas, confraternizações, rusgas, bebedeiras e tutti quanti
e, também temos novenas, penitências, orações, celebrações de Santas Missas,
peregrinações e tudo o mais que a Graça possa nos regalar. Eis aí a tensão dialética
de nosso peregrinar por esse vale de lágrimas; tensão essa que, queiramos ou
não, imprime o sentido de nossa existência.
Outra coisa: tudo isso, junto e
bem misturado, apresenta-se a cada um, em nós e para nós, não apenas no fim de
um ano. Não se engane com isso não companheiro. Tal contradição nos acompanha
em todos os dias de nossa vida, porém, nessa época, recebe uma ênfase maior da
Graça, contrastando com a nossa humana e ordinária miséria, da mesma forma que
a Graça se fez presente, discretamente ou não, no correr de todos os dias desse
ano que está partindo para junto de todos os outros que já se foram com nossas
escolhas e decisões bem ou mal feitas.
Por essas e outras que toda
aquela patacoada de afirmar que o Natal nos dias hodiernos se tornou uma
celebração meramente mundana não passa de uma crendice modernosa sem par, da
mesma forma que o é acreditar que nos anos que a muito se foram o Nascimento do
Menino Jesus era celebrado duma forma tão pia que chegava a causar inveja aos anjos
e aos Reis Magos.
Em todos os tempos o coração
humano encontra-se imerso nas sombras de si, sempre sedento pela luz que desce
da fonte cujo dom nunca se acaba e nem sempre o coração humano quer, realmente,
beber dessa fonte.
Doravante, conversas com esse tom
não passam de uma clara demonstração da falsa modéstia moderna travestida de
humildade que, por sua deixa, é tão bem quista pelos cretinos de plantão que
celebram o natal difamando o Senhor para empavonar-se e assim, desse modo, não
ter que enfrentar a verdade sobre si mesmo.
Tanto ontem quanto hoje, as
contradições nestes dias que findam o ano são tão abundantes e essa luz da
santidade sempre, em todos os tempos, teve que se defrontar com as sombras da
mundanidade que tanto nublam a nossa visão. Lembre-se: quando mais perto
estamos Daquele que é, mais os anjos decaídos querem nos arrastar para longe
Dele.
O nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo é um símbolo dessa boa peleja. Ele, o Verbo divino que se fez carne,
desceu ao âmago de nossa sombria e fria gruta existencial para alumiar a
escuridão da caverna de nossa alma e nos arrastar para altitudes por nós nunca
nem sequer imaginadas para vermos, com tristeza, no que nos permitimos ser e
contemplarmos, com alegria, o que nós devemos nos tornar.
Eis aí a raiz de nosso
desconforto: nessa contradição, sentida mais intensamente por nós nesses dias
finais do ano, refletindo o cenário desta batalha espiritual que faz de nossa
alma um verdadeiro campo de batalha.
E vejam: se nestes dias, em
certas ocasiões sentimos em nosso peito um grande vazio como se nossa vida
fosse um deserto sem sentido, se em meio ao regozijo superficial que permeia
esses dias imaginamos, na solidão de nosso íntimo, que tudo que está ocorrendo em
torno de nós deveria ter um aroma de santidade e não apenas o cheirinho da
segunda via de uma compra feita através de nosso cartão de crédito, não é
porque estamos entregues ao consumismo e rendidos ao hedonismo materialista
não, mas sim, porque essas coisinhas, atualmente, simbolizam para nós as
sombras mundanas que se manifestaram em todas as épocas, porém, com vestes
diferentes das que as mundanidades se fantasiam noutros idos. O Verbo divino,
bem ao contrário! É sempre o mesmo, pouco importando quantas vezes os céus e as
terras venham a passar. Talvez por isso nosso volúvel coração não consiga
descansar Nele.
Se as contradições desses dias
nos alfinetam isso é bom. É muito bom! Sinal de que estamos navegando em meio às
tensões dialéticas da salvação que nos é apresentada por Aquele que é o
caminho, a verdade e a vida. Porém, se enxergamos apenas nos outros essas
manchas, abra olhos navegante! Abra olhos! Porque você está boiando, à deriva,
imaginando que está no rumo certo.
Enfim, chega de lenga-lenga: o
Natal é isso e muito mais! É o tempo em que Cristo Jesus se faz pequenino para
que possamos ver o quão grande é nossa mesquinhez. É a época em que nos
defrontamos com as gritantes contradições que habitam em nossa alma e fazem com
que sejamos quem nós somos: míseros pecadores, almas enfermas que carecem e
muito do olhar e dos cuidados Daquele que se fez menino para nos elevar de
nossa indigência que todos os dias do ano, e nesses dias em especial, dividem a
nossa vida entre os ecos do fervo e a singeleza da manjedoura.
E se sentimos que no fervo não
encontramos a paz que desejamos com toda a intensidade de nosso coração não é
porque ele, os festejos dum modo geral, não sejam bons, mas sim, que eles não
são nem de longe o Bem para o qual fomos criados. Bem esse que não é desse
mundo, mas de outro, diga-se de passagem.
Por fim, como nos ensina São
Clemente Romano, César, com suas riquezas, promessas e diversões, não é tudo.
Cristo, por sua deixa é. Tudo e algo mais.
Pronto! Parei!
Um Feliz Natal e um abençoado
2016 para todos.
Blog
2: http://zanela.blogspot.com/
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