Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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REPENSANDO O REPETIDO E O IMPENSADO

Escrevinhação n. 890, redigido em 30 de maio de 2011, dia de Santa Joana D’Arc, São Fernando III e São José Marello.

Por Dartagnan da Silva Zanela.



Desde muito Platão nos ensina que o primeiro na ordem do conhecer é o último na ordem de Ser. Uma afirmação simples que, em sua singeleza, nos convida a mediar sobre um problema capital. Problema esse, sumamente desdenhado, que versa sobre o ser das coisas conhecidas por nós e o que realmente conhecemos destas.

É muito comum vermos pessoas, tomadas pela pestilência do relativismo, afirmarem que todas as culturas têm o mesmo valor, visto que, estas corresponderiam a um contexto humano específico que demandava uma resposta humana singular. Para reafirmar tal visão pré-concebida, as almas sebosas recorrem ao expediente das percepções que muitas pessoas podem ter de um mesmo objeto, de um mesmo fato, de um mesmo fenômeno e, a partir desta multiplicidade de percepções, ao mesmo tempo diversa e contraditória, concluem que não existe a tal da Verdade absoluta, mas apenas um amontoado de verdades relativas e ponto.

Tal expediente apenas nos apresenta uma percepção múltipla da Verdade e uma coisa é a percepção desta, outra muito distinta, é ela, a Verdade. Sim, muitas das vezes ouvimos uma infinidade de considerações sobre algo que, por sua deixa, são desbancadas com apenas uma consideração acertada sobre a realidade do ocorrido. De mais a mais, nestes casos temos um claro sintoma do subjetivismo que infecta a nossa cultura atualmente onde cultiva-se um amor psicótico pelas opiniões ao mesmo tempo que se alimenta um desdém descomunal pelos fatos da realidade que essas opiniões supostamente versam.

Quando vemos isso, mais do que depressa, nos vem à mente as palavras de Santo Agostinho, quando este nos admoesta contra os perigos do amor próprio, de seu poder em desordenar as nossas paixões e bem como de nos levar a sucumbir. Quando assim nos encontramos, tornamo-nos incapazes de conhecer a verdade e passamos a cultuar as nossas opiniões (e as que são partilhadas pelos nossos pares) como se estas fossem verdades reveladas especialmente para nós pela ignorância divinizada em nossa soberba.

Quando se afirma que todas as realidades culturais são relativas e que estas têm o seu valor em si, está-se proclamando a impossibilidade de reconhecermos valores universais, válidos para toda humanidade. Bem, isso se faz, ao mesmo tempo em que se afirma a universalidade do relativismo cultural e moral. Trocando por miúdos: toda essa lengalenga multiculturalista não passa de uma imensa patacoada auto-contraditória.

Uma coisa é reconhecemos o valor singular de cada cultura enquanto produto da experiência humana, outra muito distinta é afirmar que todas têm igual valor. Dizer isso, meu caro Watson, é um sinal ou de demência, ou de estultice, ou mesmo de canalhice intelectual pura e simples. Dizer que a Suma Teológica de São Tomás de Aquino tem o mesmo valor para humanidade que uma pajelança só é possível na cabeça de uma pessoa sem o menor senso da realidade. Afirmar que Dante, Camões e tutti quanti, tem a mesma importância que Augusto Cury, Frei Betto e Cia., é não saber qual a diferença que há entre uma taça de vinho e um copo de ki-suco sem açúcar.

Uma coisa é a ordem do ser, outra distinta é a ordem do conhecer. A primeira é imensa e nos abarca por inteiro, mesmo que não percebamos. A outra, por sua deixa, é limitada (e no caso brasileiro, mais ainda), mas pode ampliar-se na medida em que permitimos que a realidade molde nossa percepção, que ela nos comunique, ao invés de permanecermos agrilhoados ao vicioso ciclo de nossas rasas opiniões sobre nada baseado em coisa alguma.

Tal postura exige de nós o cultivo da virtude da humildade e da perseverança para que assim possamos dilatar o nosso horizonte de consciência. Claro que para tal empreitada temos que tirar de nosso horizonte o desejo irascível que temos de falar pelos cotovelos, o tempo todo, sobre os assuntos mais fúteis e tolos, para fiarmos a nossa atenção a aquilo que estará sendo integrado em nossa alma. E eis aí uma hercúlea tarefa, visto que, na maioria das vezes, o que desejamos mesmo não é conhecer, mas apenas ter um assunto para que ocupe o parvo tempo de nossas conversas, não é mesmo?

Nestes casos fica praticamente impossível falar em construção do conhecimento, em procura pelo crescimento que este pode nos propiciar. O que ocorre nestes casos é apenas uma egolatria delirante e nada mais. Algo similar àqueles “debates” que se simulam em muitos rincões deste país, onde se distribui um xérox de um capítulo de um livro, ou de um artigo, que é supostamente lido e que serve de motor para um bate-boca burlesco onde todos emitem as suas opiniões sem em nenhum momento ter procurado realmente conhecer algo que fosse além de suas pífias conclusões. E assim, meu caro, dá-se a isso o nome de educação crítica, de debate e, inclusive, de filosofia, em algumas insanas paragens.

Por fim, como havíamos dito no início desta missiva, o primeiro na ordem do conhecer é o último na ordem do ser e, no caso do Brasil, a muito não mais se sabe o que isso quer dizer devido ao desdém pelo conhecer que abre caminho da verdade.

Pax et bonum
http://dartagnanzanela.tk

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