Por Dartagnan da Silva Zanela (*)
É de conhecimento comum que Deus,
num gracioso ato amoroso, deu-nos o livre-arbítrio, nos facultou a
possibilidade de escolher entre a liberdade fundada na Verdade e a escravidão
alicerçada na mentira.
Poderia Ele ter nos privado do
livre-arbítrio e obrigar-nos a servi-Lo compulsoriamente, porém, se assim o
fosse, ao invés de sermos um ser medianeiro entre os elementos celestes e
terrestres, seríamos apenas criaturas autômatas; não humanos.
Resumindo o entrevero: Deus,
generosamente, abriu mão do controle que Ele pode ter sobre cada um de nós e
deu-nos a possibilidade de escolhermos segui-Lo amorosamente ou afastarmo-nos
Dele danadamente.
E vejam só como são as coisas:
todo indivíduo humano que sofre com o drama da irreligião, com a perda da fé
ou, nos casos mais extremos de angustia existencial, entregando-se ao tacanho
ateísmo militante, dum modo geral, são indivíduos obcecados por controle,
ciosos para reduzir tudo a um miserável punhado de esquemas lógicos que caibam
direitinho em sua cuca.
Trocando por miúdos: tudo o que
não pode ser reduzido e enquadrado dentro dos mesquinhos limites de sua mente,
para essas angustiadas pessoas, não existe; não pode existir nada que não seja
ilusoriamente controlado por suas parcas luzes pseudo-racionais.
Sem perceber, a pobre alma
afoga-se gradativamente em sua soberba e, de modo caricatural, acaba
colocando-se acima da própria realidade, haja vista que, por colocar-se no
centro do todo, ela passa a imaginar que tudo o que existe, apenas existe,
porque a sua palavra pode reduzir a realidade, em todo sua complexidade e
vastidão, a uma explicação que seja plausível, palatável à sua indigência
espiritual.
Na verdade, muito
disfarçadamente, essas almas sofredoras apenas varrem para debaixo do tapete da
vida todas as questões que seus avaros esquemas mentais não conseguem explicar.
Aí, meu caro, é mamão com açúcar. Se excluir do espectro de minha percepção
tudo o que é inexplicável, o que sobra torna-se totalmente explicável, porém,
essa fração não é a totalidade do real por mais que, como direi, num mundano
ato de fé, se insista nisso.
Se eu excluo do meu horizonte de
consciência tudo aquilo que eu não consigo compreender e digo para mim mesmo
que isso não existe, que não faz parte do mundo real, então tudo pode passar a
ser reduzido a pequenez da minha vontade de conhecer e, fazendo isso, vê-se
claramente o quando que essas pessoas existencialmente angustiadas são
incapazes de suportar o estado de dúvida, em misto com o espanto, por muito
tempo que, num ato de desespero, levam-nas a agarrarem-se ao seu mundinho de
considerações edificado com um amontoado de retalhos formados a partir duma
miserável cultura de almanaque.
Resumindo: tais almas substituem
a vastidão das questões, desprezadas por elas, por um espantalho retórico
furibundo que as protege da realidade e, ao mesmo tempo, lhe faz imaginar que
”explicam cientificamente” tudo por fazerem isso.
Enfim, seja como for, estar
diante do absoluto, contemplar a grandeza e a beleza de toda a criação, meditar
sobre a finalidade última da nossa existência individual e bem como da
existência do próprio cosmo é algo fundamentalmente humano que, em si, com o
perdão da palavra, já nos diz muita coisa a respeito de seu Artífice se, é
claro, estivermos dispostos a conhecê-Lo.
(*) Professor, cronista e bebedor
de café.
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