Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

Pesquisar este blog

CAI MÁSCARA DOS CAETANOS E CHICOS

Por Janer Cristaldo

Alguém ainda lembra dos dias em que comunistas, petistas e artistas bradavam contra a ditadura e pediam liberdade de expressão e pensamento? Eu me lembro, não faz ainda meio século. Boa parte dos defensores da liberdade ainda vive e se faz presente nas discussões do país. Só que o discurso mudou. Agora pedem proibição da livre expressão e do pensamento.

Começaram com o jornalismo. Em 69, os militares regulamentaram a profissão de jornalismo, ofício que em país algum do mundo civilizado é regulamentado. As esquerdas, que sempre condenaram os militares, assumiram com entusiasmo o decreto da ditadura. Afinal, serve para controlar a liberdade de expressão e pensamento. Então é salutar, digno e justo.

Continuaram tentando censurar a História. Ano passado, foi apresentado no Congresso projeto de lei do senador Paulo Paim pretendendo regulamentar a profissão de historiador. No que dependesse do senador petista, Heródoto não teria escrito suas Histórias. Não tinha diploma. Ernesto Renan teria exercido ilegalmente a profissão, ao escrever os sete volumes de sua colossal história do cristianismo, mais outros tantos da história do judaísmo. No Brasil, um dos mais prolíficos estudiosos de nossa história, cuja obra é fundamental para o entendimento do ciclo de Vargas, era médico por formação. Especialização? Proctologia. Pelo projeto aprovado - escrevi então - proctologistas não devem meter o dedo na História.

De certa forma, estão proibidas as biografias – comentei na época. Biografia é história e biógrafos, de modo geral, não têm diploma de história. Aliás, ser biógrafo já é profissão censurada no Brasil, este país incrível onde uma biografia depende da anuência do biografado e de seus descendentes. Recentemente, a biografia de Lampião foi censurada, a pedido de Expedita Ferreira, sua filha. Em novembro de 1911, Aldo Albuquerque, juiz da 7ª Vara Cível de Aracaju, expediu uma liminar suspendendo a publicação do livro Lampião mata sete, no qual o juiz aposentado Pedro de Morais defende a tese de que Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Rei do Cangaço, seria homossexual.

A moda surgiu em 1995, com o recolhimento da biografia de Mané Garrincha. A motivação foi ridícula. Segundo Ruy Castro, o autor de Estrela Solitária, o atleta teria um vigor sexual raro e 25 cm de pênis.

Segundo reportagem da Istoé, as filhas de Garrincha processaram o autor e a editora Companhia das Letras por danos morais. Venceram em primeira instância, mas viram a decisão ser revertida na segunda instância por um voto recheado de referências ousadas à anatomia de Mané, escrito pelo desembargador carioca João Wehbi Dib. “As asseverações de possuir um órgão sexual de 25 centímetros e de ser uma máquina de fazer sexo, antes de ser ofensivas, são elogiosas, malgrado custa crer que um alcoolista tenha tanta potência sexual. Contudo, tamanho e potência não se confundem. O sonho dos brasileiros é ter os dois”, afirmou, no voto seguido pelos outros dois colegas.

Agora, são os bravos artistas que denunciavam a censura pós-64 que hoje advogam a censura dos relatos sobre suas vidas. De lá para cá, foram barrados na justiça uma biografia de Roberto Carlos e o livro lançado por Guilherme de Pádua sobre Daniella Perez.

Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso e presidente do grupo Procure Saber - que reúne ela, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Chico Buarque, Djavan e Erasmo Carlos – estão pedindo nada mais menos que a censura de biografias, caso os biografados não concordem com o que o biógrafo escreveu. A ex alega a defesa do ser humano e do direito à privacidade.

- A gente está num conflito de gigantes, estamos num conflito de dois direitos fundamentais, de liberdade de expressão e da privacidade. Mas sobre direito à privacidade ninguém quer falar - disse Paula. - A gente está discutindo o ser humano.

Ora, privacidade é algo relativo quando se trata de pessoas públicas. Seria invadir a privacidade de Hitler revelar que ele possuía um só testículo? Ou que Stalin tinha um defeito no braço esquerdo?

Enfim, isto é o de menos. Testículo ou braço pouco importam no caso destes senhores. A pergunta é outra: caso um biógrafo atribuísse a estes tiranos as montanhas de cadáveres pelas quais foram responsáveis, teriam eles o direito de proibi-las? A primeira biografia não-autorizada de Stalin só surgiu na França, em 1939, feita por Boris Souvarine. Que aliás era comunista. Stalin, ao que tudo indica, foi o precursor dos caetanos e chicos da vida.

Ou, voltando ao debate pátrio: poderiam os descendentes de Emílio Médici – ou de qualquer dos generais-presidentes – proibir uma biografia destes militares, por julgar sua honra ofendida caso trate das torturas sob seus governos?

Ou, mais prosaicamente: se alguém quiser escrever uma biografia de Marcola ou Fernandinho Beira-Mar, podem estes senhores proibi-las caso julguem ter tido suas privacidades invadidas com o relato de seus crimes?

Nossos artistas – aqueles que eram contra a censura quando eram censurados - se baseiam nos artigos 20 e 21 do Código Civil Brasileiro, de 2002. O artigo 20 determina que o uso da imagem de uma pessoa pode ser proibido ou gerar a "indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais". Já o artigo 21, dispõe que "a vida privada da pessoa natural é inviolável".

Já a Constituição, em seu artigo 5º, inciso IX, reza: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. O que vale mais, lei maior ou lei menor? A Constituição é de 88. O artigo 20 do Código Civil passou a viger em 2003. Independentemente de legislação, o que os “artistas” querem é proibir a revelação de fatos que lhes sejam desabonatórios. Estes fatos podem ser verdadeiros ou não. Caso verdadeiros, ocultá-los é falsificar a História. Se são falsos, é simples: os prejudicados podem recorrer ao Código Penal, que tipifica os crimes de calúnia ou difamação.

A proibição de biografias traz em seu bojo uma ameaça maior, a liberdade de escrever história, alvo do projeto do senador Paim. Se Lula um dia inventar que ter seu nome associado ao mensalão é atingir sua honra, a história presente do Brasil não poderá ser escrita com fidelidade. Qualquer alusão a um personagem público, em um ensaio, passará a depender da anuência do fulano. Ou seja, fazer história, no Brasil, será inviável.

Leio nos jornais que Caetano, aproveitando embalo da revolução que não houve, a de 68, andou gravando uma canção: é proibido proibir.

Pelo jeito, era. A polêmica tem sua utilidade: caiu a máscara dos defensores incondicionais da liberdade de expressão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário