Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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ENTRE O GRITO E A CARTA

Escrevinhação n. 1053, redigida no dia 07 de outubro de 2013, dia de Nossa Senhora do Rosário.

Por Dartagnan da Silva Zanela


Cultivo pouquíssimas discordâncias com Monteiro Lobato, esse ranheta de fartas pestanas que tanto ilumina nossas letras e que hoje os sicofantas ineptos querem tanto ofuscar com seu obeso e invejoso olhar. De todas as suas observações há uma que, de fato, considero lapidar. Em sua obra “A barca de Gleyre”, que reúne quarenta anos de correspondência entre o taturana e Godofredo Rangel, ele afirma que se pudesse leria apenas cartas e nada mais, pois considerava que apenas no gênero epistolar haviam letras sinceras.

Aqueles que já tiveram a grata alegria de ler as cartas trocadas entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco, Jefferson e John Adams e tutti quanti, sabem muito bem do que Lobato fala. Uma carta é um testemunho sincero duma alma à outra, uma confissão. Tal testemunho, por sua deixa, não era elaborado de maneira impensada como fazemos com nossas mensagens, e-mails e postagens feitas nas redes sociais. O indivíduo recolhia-se especialmente para mergulhar sua alma e pena num tinteiro para deitar ambas sobre uma ou mais folhas de papel.

As distâncias que separavam fisicamente as pessoas as uniam espiritualmente, haja vista que entre o desenhar de cada letra, e o sinuoso correr das palavras, o sujeito partilhava os tesouros mais preciosos e, essa partilha, era permeada pelo tempo de espera que, de seu modo peculiar, temperava o ato de comunicar com o suave sal da expectativa vagarosamente vivida.

Hoje, praticamente, o gênero epistolar foi fuzilado pela nossa pressa enlouquecedora. As novas tecnologias aproximaram caracteres digitados impensadamente e palavras fugazes ditas levianamente, ao mesmo tempo em que distanciaram a sinceridade necessária às palavras e olhares que se declaram amigos.

Se o que afirmo parece estranho a nossa digitalizada percepção, permitam-me um exemplo para demonstrar o quão bela é a linguagem epistolar que hoje, dum modo geral, desdenhamos. Certa feita, uma menina, cujo pai sofre duma grave enfermidade, confidenciou-me que ela apenas conversava certos assuntos com sua mãe através de cartas. A mãe não mora noutro lugar não. Como família, todos residem juntos sob o mesmo teto. Porém, mãe e filha trocam confidências através de cartas que são deixadas uma para outra entre as páginas da Sagrada Escritura, guardadas entre as Epístolas de São Paulo, para serem lidas, relidas e, no devido momento, respondidas. Quando ouvi essa confissão fiquei a imaginar o quão sólida e única é a relação desta garotinha com sua mãe.

Porém, poucos se permitem esse luxo. A praticidade sobrepõe-se brutalmente à sinceridade e à quietude que são exigidas pelas pacientes letras lavradas no campo das páginas seladas. Naturalmente, tais observações não explicam porque nossa sociedade é tão superficial e vulgar, mas aponta para um triste sintoma que bem retrata a bestialização tecnocêntrica da qual tanto nos ufanamos.

Pax et bonum
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