Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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QUE O FRUTO SEJA BOM

Escrevinhação n. 768, redigida em 07 de julho de 2009, dia de São Vilibaldo e da Bem-aventurada Maria Romero Meneses, 14ª do Tempo Comum.

Por Dartagnan da Silva Zanela
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Não basta que apenas a semente seja boa. É fundamental que o solo onde ela for lançada seja bom ou pelo menos apropriado para bem receber a semente e germinar algum fruto. Eis aí o grande dilema de toda mensagem atirada aos quatro ventos, eis aí o grande dilema da educação e, conseqüentemente, da vida humana.

Ensina-nos Santo Agostinho, Bispo de Hipona, em seus comentários ao Evangelho de São João, que quando Deus entregou a Moises os Mandamentos o fez em tábuas de Pedra, devido ao duro e infértil solo que é o coração dos homens. Aquele que É inscreveu na pedra Seus mandamentos, na pedra de nossa incompreensão presunçosa.

Doravante, quando o Verbo se fez carne e, em uma de suas passagens, os fariseus trouxeram-lhe a mulher adultera para que ele a julga-se Esse, antes de se pronunciar, inclinou-se suavemente junto ao chão e escreveu algumas palavras no solo. Ou seja: Deus, agora não mais se contenta em apenas proclamar a Sua Lei, ele clama por um solo fértil onde ela se inscreva, tal qual o gesto de Nosso Senhor demonstra simbolicamente. Que o coração de pedra converta-se em solo bom para receber a palavra que está sendo semeada por Ele que se fez carne.

Bem, quanto ao final da passagem deste trecho do Evangelho de São João todos nós conhecemos: “O que de vós está sem pecado, seja o primeiro que a apedreje”. Essa é a enxada com que o Cristo revolve o nosso coração pedregoso e daninho, para que Sua palavra possa criar raízes em nossa alma. Com essas palavras Ele nos convida para uma silenciosa e profícua reflexão sobre a nossa natureza e sobre nossas fingidas e hipócritas maneiras de ser.

Voltar o olhar para dentro de nossa alma, em nossos átrios e reconhecer todas as limitações e, desse modo, podermos a partir de nossa realidade pessoal, existencial, galgar patamares mais elevados de dignidade. Todos os que ali estavam para apedrejar a dama também se faziam presentes naquele local para tentar distorcer a Verdade com suas poses de supostos letrados ou de impávidos moralistas, todos prontinhos para julgar e condenar tudo que estava a sua volta e, em especial, aquela que estava caída no chão, rodeada de cães raivosos e diante do Verbo Encarnado que, ao contrário da multidão É Verdadeiro, Justo e Manso.

E o que fez o Cristo? Instigou a todos para que fechassem suas vistas para poder enxergar a realidade. Provocou a todos para moverem o foco de seu olhar das aparências exteriores que nos são apresentadas para que reconhecêssemos bem a nossa medíocre realidade interior e assim compreender que temos um árduo caminho para trilhar em nossa elevação para nos tornarmos uma pessoa digna de Suas promessas.

Se passou dois milênios, e o que temos nos dias hodiernos como lição primeira em nosso sistema educacional e de nossa sociedade como um todo? Não mais a provocação feita pelo Cristo e, de modo menor, anteriormente, pelo ensinamento inscrito nos umbrais do Oráculo de Delfos. Conhecer-se a si mesmo, conhecer a realidade plena de nós. Nenhum dos presentes na cena Evangélica conhecia-se, de modo similar a nós que também não nos conhecemos e, para piorar um pouco mais o entrevero, não fazemos muita questão de nos conhecer. Aliás, se a cena Evangélica fosse hoje, como seria o seu desfecho? Tenho até medo de imaginar.

Instigamo-nos uns aos outros para vermos quem é capaz de encontrar a maior trave no olho alheio, quem é capaz de falar mais da corrupção do sistema, da sociedade, de tudo, porém, em nenhum momento paramos para meditarmos sobre a torpeza que habita e infecta nossa alma. E o pior de tudo é que esse é o tom que dita o passo de nosso sistema educacional.

Estou exagerando? Então pergunto: quantas vezes, quando aluno (ou mesmo seu filho) fez uma redação onde se instigava o neófito a considerar a sua realidade interior ou os seus erros como pessoa? Quantas vezes houve a motivação para uma análise de suas atitudes, gestos, omissões e pensamentos? Provavelmente nunca. Todavia, sobram as ocasiões onde fomos e somos (informalmente ou formalmente) instigados a redigir textos e a discutir assuntos sobre realidades externas de ordem social, política e econômica que, na maioria das vezes, o fazemos de modo superficial sempre com o objetivo de posar de bom moço, crítico e preocupado, com problemas que mal compreendemos e, no fundo, não nos importamos francamente.

Ora, como fazer algo melhor se não compreendemos nem a nós mesmos tal qual a multidão de fariseus que desejava apedrejar a mulher adultera?

Veja bem, um dos ensinamentos fundamentais que, penso eu, deve-se resgatar, é a responsabilidade que deve ser inerente ao ato de conhecer. Esse ato não pode, de modo algum, ser feito de modo leviano, como uma encenação onde os professores fingem saber algo e os alunos simulam estar compreendendo e praticando esse algo.

Toda vez que nos pronunciamos sobre um assunto estamos assumindo a responsabilidade pelo que acabamos de dizer, gostemos ou não disso. Bem, e o que vamos dizer de uma sociedade que ufana uma educação que estimula a incontinência verbal? O que vamos dizer de uma sociedade que desdenha a importância do silêncio na formação de indivíduo humano? O que vamos dizer de sobre nós?

Provavelmente nada. Então que atirem as primeiras pedras! Entretanto, não nos esqueçamos que todas as pedras, neste caso, inevitavelmente serão atiradas para cima e, provavelmente, todos nós, conhecendo ou não, gostando ou não, temos um belo telhado de vidro. Bem, e que ele seja quebrado para que, quem sabe, possamos realmente começar a nos conhecer e um, porque não, dar bons frutos.

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