Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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Escrevinhação n. 837, redigido em 16 de junho de 2010, dia de Santa Julita e São Ciro.

Por Dartagnan da Silva Zanela

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Faz alguns dias, estava lendo um ensaio do economista estadunidense Thomas Sowell intitulado A BUSCA PELA JUSTIÇA CÓSMICA. Entre os pontos tratados pelo referido autor, um chamou-me a atenção e nos levou a mover os dedos frente ao pergaminho digital. Este ensaio trata da questão da educação.

Conta-nos Sowell que ele passou a sua infância no Harlem. Ou seja: uma infância nada fácil e com poucas oportunidades para um jovem negro. Sobre os professores que teve nesses idos ele nos diz: “Graças a Deus meus professores foram injustos comigo quando eu era um garoto crescendo no Harlem”. Hoje Sowell é um dos intelectuais mais respeitados nos USA. Com essa afirmação ele nos diz o obvio ululante. Que não se realiza a justiça dita social passando a mão na cabeça das pessoas, mas sim, munindo-as com as ferramentas intelectuais para que ela possa agir com autonomia e dignidade.

Ele nos diz que um desses professores “injusto”, especialmente aos olhos dos pedagogos modernos, era a senhora Simon. Segundo ele: “Cada palavra que soletrávamos ou escrevíamos errado, tinha de ser escrita cinquenta vezes – não em classe, mas em nossas lições de casa a serem apresentadas na manhã seguinte, e isso além de toda a outra carga de tarefas que ela e os outros professores jogavam sobre nós. Se você errasse a ortografia de quatro ou cinco palavras, uma longa noite de trabalho o aguardava”.

Quanta crueldade, dirão esses biltres politicamente-corretos. Mas, por quê? Segundo o nosso amigo supracitado, ele não tinha em casa acesso a outras fontes de informação mais ricas do que a que lhe era fornecida pela escola. Graças à rigidez de seus mestres como a Sra. Simon ele se tornou apto a se embrenhar na sociedade e realizar-se como pessoa. Não apenas ele, mas boa parte de seus colegas que encararam o desafio de superar as suas limitações.

Superar a si mesmo é um dos pontos fundamentais de uma boa educação. Superação dá-se quando temos a apresentação de obstáculos a serem enfrentados para que possamos provar para nós mesmos o quanto somos capazes de mudar o nosso destino quando esse parece irreversível. Neste caso, quando a professora estava sendo “injusta” estava dando uma oportunidade para os alunos serem justos para consigo mesmo. Quando um professor estava lhes apresentando um pesado fardo para carregarem, estava lhes fortalecendo o caráter. Esses mestres estavam, literalmente, dando uma legítima surra intelectual e moral em seus alunos inocentes. Entretanto, não é apanhando que se aprende a bater? Era isso que os ditos professores “injustos” estavam ensinando aos seus alunos.

Todos nós tivemos em nossa infância e mocidade um e outro professor deste gabarito apontado pelo professor estadunidense. E, provavelmente, foi graças a esse tipo de magistério que muitas das boas marcas que dão forma ao nosso caráter advieram das surras morais e intelectuais que nos foram aplicadas por eles. Eu mesmo lembro-me até os dias de hoje da Irmã Odila. Ela não era a senhora Simon. Era mais branda em alguns quesitos e a superava-a em muitos outros, sem dúvida alguma.

Obviamente que quando eu tinha os meus doze anos de idade não morria de amores por ela. Porém, o parco conhecimento que tenho da língua mátria devo a ela. Esta além de nos cobrar pontualmente as lições ministradas em sala de aula, remetia uma infinidade de tarefas para serem realizadas em casa juntamente com a leitura obrigatória das obras de literatura que integravam o programa da disciplina.

Naturalmente que a direção acabou por fazer o que não se deve: deram ouvidos aos queixumes de um bando de alunos temerosos tomados pela desídia intelectual. No ano seguinte não tivemos mais aula coma referida madre, porém, até hoje, lembro-me dela com grande clareza. Não apenas dela, mas de suas lições.

Se Deus permitisse-me, gostaria muito de poder me encontrar com ela e dizer apenas duas coisas. A primeira: pedir perdão pelas insolências motivadas pela minha desídia. Segundo: agradecer-lhe por tudo que ela fez por mim e pelos meus colegas. Com certeza tanto eu como os meus pares somos grandes devedores. Provavelmente ela sabe disso. Pena que nós aprendemos isso apenas tardiamente.

Pax et bonum
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