Escrevinhação n. 845, redigida entre 31 de julho de 2010, dia de Santo Inácio de Loyola e 18 de agosto de 2010, dia de Santa Helena.
Por Dartagnan da Silva Zanela
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Para muitos a ilusão de sua suposta superpotência é algo avassalador no horizonte de consciência, tornando o indivíduo incapaz de perceber sua quase total impotência. Julga-se capaz de feitos grandiloqüentes sem perceber que esses mesmos, que tem em tão elevada conta, não passam de um amontoado de pó e sombras. Mas donde vem essa fantasia que toma conta da humana alma? Ora, raios, por que nos permitimos cair em tão grande engodo? Eis aí a escabrosa questiúncula. Respondê-la, obviamente, não é tarefa para uma tão breve missiva, mas sim, para um grande esforço de mudança de postura frente a si mesmo e frente à realidade.
O grande problema que enfrentamos em nossas reflexões e pontuações diuturnas é que partimos sempre de uma inconstante e desmedida impostura moral. Tal ato, por sua deixa, vicia toda possibilidade de uma legitima vida intelectual, de uma vida dedicada a procura sincera da verdade para nela viver e ser.
Para começo de prosa, sempre quando nos defrontamos com qualquer notícia que nos é apresentada, nós a acolhemos como se já a conhecêssemos de longa data e com relativa profundidade e que, aquela nota que nos foi apresentada apenas fez reavivar, atualizar, algo que supostamente já sabíamos. Entretanto, em regra, essa notícia que se apresenta é a primeira (e única) informação que temos sobre esse algo que julgamos tão bem conhecer. Raramente, para não dizer nunca, o indivíduo que toma uma postura similar pergunta-se: mas será que é verdade? Será que não estão me fazendo de trouxa?
E o que torna tal impostura mais absurda, raiando as fronteiras da neurose, é o fato de que o elemento nada conhecendo sobre o que lhe foi noticiado acredita piamente que foi dito pela grande mídia. Por aquela grande mídia que ele mesmo expressa, ao menos verbalmente, um grande sentimento de desconfiança. Ou seja: ele finge saber o que desconhece acreditando em alguém que ele finge desconfiar.
Um bom exemplo de toda essa pachorra cognitiva é quando vemos esse tipo metido a informado falando sobre as últimas verdades científicas comprovadas que foram apresentadas em uma revista ou em um programa televisivo. Ponto um: o elemento provavelmente nunca parou para pensar no que é uma ciência. Cansei de testemunhar pessoas diplomadas (principalmente) que não sabem o que é ciência, mas que, se julgavam pessoas que agem através de supostos “critérios científicos”. Ponto dois: não sabendo o que é ciência e o que lhe cabe, é claro que ela também não saberá discernir entre o que é uma evidência cientifica de um artifício erístico. Ponto três: por isso mesmo esse indivíduo, tagarela, nunca parou para pensar que o que ele crê ser uma verdade cientificamente comprovada não é, nem de longe, uma verdade, nem científica e muito menos comprovada.
E este, meu caro Watson, é apenas um exemplo entre inumeráveis outros que abundam em nossa sociedade, todos eles advindos desta nossa impostura moral perante o ato de conhecer, nascidos de nosso orgulho que nos impele a desdenhar a procura pela verdade, deste as mais elementares.
Por isso de nada adianta essa mania fingida de ficar atirando dejetos na grande mídia se não realizamos, primeiramente, um profundo e sério exame de consciência, para traçar uma clara topografia de nossa ignorância e conhecermos o que não sabemos, o que fingimos saber, o que devemos compreender e o que necessitamos entender. Tomar essa postura seria não apenas uma mudança no modo de nos relacionarmos com o mundo em torno e com a grande mídia. Tal atitude nos impeliria a mudarmos a nossa maneira de nos relacionarmos conosco mesmo, conhecendo-nos verdadeiramente para podermos, desde modo, reconhecer os enganos e auto-enganos que cometemos, voluntariamente ou não, todo santo dia.
Tal atitude de modo algum mudará o mundo e muito menos os nossos iguais. Mas você mudará e, provavelmente, melhorará como pessoa e, provavelmente, pela primeira vez na vida, poderemos, nos olhando no espelho da verdade ver a realidade sobre nós que a tanto tempo estava oculta, escondida por detrás da mascara de nossa mentira existencial que tanto diminui nossa dignidade originária.
Pax et bonum
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