Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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OFENSIVA ÍNTIMA

Escrevinhação n. 761, redigida em 26 de maio de 2009, dia de São Felipe Néri.

Por Dartagnan da Silva Zanela

"Consciência é como vesícula, a gente só se preocupa com ela quando dói." (Stanislaw Ponte Preta)
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Quando deitamos nossa vista sobre as iluminadas páginas da obra “O Diálogo” de Santa Catarina de Sena nos deparamos com palavras vertidas de uma alma generosa que a todo o momento nos aconselha a colocarmos nosso autoconhecimento frente à misericórdia divina e, ao mesmo tempo, abrir os átrios de nosso ser para a Luz da Misericórdia divinal para que, deste modo, possa nos curar deste grande mal que habita o nosso íntimo e que irradia para os quatro ventos as suas máculas, que é a ignorância de si mesmo.

Quando falamos da ignorância de si, não estamos nos referindo à ignorância advinda da iletramento. Não mesmo. Aliás, não é exatamente essa a ignorância mais letal que existe e que pode vir a afetar a alma humana. De mais a mais, se todas essas informações que estão sendo acumuladas e amontoadas em arquivos (virtuais ou não) trouxessem felicidade, não haveria tantas pessoas diplomadas com a alma tão amargurada e devidamente travestida com uma persona (no sentido junguiano do termo) chinfrim de felicidade postiça, não é mesmo?

Por essa razão que Srî Ramana Maharshi, nos admoesta para o fato de que não é o mundo um mal. Se há algum mal neste mundo nós é que somos os legítimos culpados em virtude de nossos pensamentos errôneos o que, por sua deixa, acaba nos levando a tornarmo-nos escravos de nossos desejos e temores. Tal fato ocorre, segundo o sábio de Arunachala, porque simplesmente não nos conhecemos corretamente, porque julgamos tudo, inclusive nós mesmos, a partir de um “eu” dissimulado que não somos “nós” de modo algum.

Lembramos neste ínterim para aqueles que reverenciam a modernidade em suas múltiplas facetas, que o aumento do conhecimento nos proporcionou apenas um aumento de nosso poder sob algumas das forças da natureza e nada mais. Essa elevação do poder humano gerou algumas benesses para o bem-estar corporal humano, porém, em si, isso tudo não é um bem, pois além de nos distanciarmos mais e mais do autoconhecimento, tais conhecimentos, cultivados no mundo moderno, se encontram nas mãos de poucos, que funestamente podem utilizá-los das mais variadas maneiras e, na maioria das vezes, infelizmente, não é para o bem. A essa concentração de poder em um misto com esse esquecimento do que somos, deu-se o nome de progresso.

Sobre esse ponto, julgamos que são deveras significativas as palavras do filósofo francês Louis Lavelle, que nos ensina que: “A filosofia dá uma forma racional e humana à uma verdade cuja fonte está acima do homem, e mesmo da razão. Contudo, ela transforma a luz divina em trevas, a partir do momento em que pretende esclarecê-la com uma luz humana, o que é inverter a verdadeira ordem”. Ora, e o que temos feito no ciclo moderno senão isso, desdenhando a estrutura da realidade em nome de nossas imprecisas impressões sobre uma realidade que desdenhamos olimpicamente? O que temos feito senão desdenhando a Autoridade Divina em favor de nossas desqualificadas opiniões sobre tudo e, principalmente, sobre nós?

É incrível que boa parte das pessoas dedicam horas e horas a fio analisando a vida de outrem (fazendo futrica mesmo), ou discutindo temas que elas, ipsis litteris, conhecem apenas uma vaga impressão do que seja. Impressão essa conhecida através da repetição alienante da mesma feita pelos meios de comunicação que, além de ser sua única fonte de informação, também é o bode expiatório de toda a sua ignorância primordial que, obviamente, não é reconhecida pelo sujeito.

De mais a mais, diante do cenário apontado, é bem provável que essas conversas vazias e que em nada contribuem para o crescimento do indivíduo humano se proliferam cada vez mais como uma espécie de mecanismo de defesa contra o vazio que dia após dia vem se assenhoreando da alma humana, do poderoso homem moderno que tem a sua disposição informações do mundo todo, mas tem medo de ficar só e em silêncio em casa. O todo poderoso homem moderno que tanto se preocupa com o que os outros irão falar dele, mas que, por sua deixa, não saberia responder as perguntas “o que sou” e “quem sou” de modo apropriado.

Por fim, como podemos falar algo sobre quem somos, sobre a nossa personalidade se apenas em raros momentos nos perguntamos sobre nós? Como podemos afirmar nossa singularidade enquanto pessoa se nos permitimos reduzir a um reles indivíduo que se permite ser moldado e enquadrado pelas forças externas da multidão e do mundo que, tolamente, imaginamos conhecer sem nos auto-conhecermos?

Por essas e outras que o sábio de Arunachala nos ensina que o fato de partirmos de um erro inicial corrompe todo o conhecimento de nossas possíveis investidas investigativas. Por razão similar Santa Catarina de Sena, a 32.ª Doutora da Santa Madre Igreja, nos aconselha a perseverarmos e nos separar do mundo e nos enclausurar na cela do autoconhecimento. E por esse motivo que Louis Lavelle afirmava que escutar a verdade é tarefa fácil, porém aniquilar-se perante ela e permitir que ela fale-nos, não é. E é justamente o que cada um de nós precisa fazer. Por isso é tão fácil nos entregarmos ao cômodo abrigo da alcova de nossa ignorância existencial e nos esquivamos da responsabilidade por nosso destino.

Fora disso, meu caro, tudo o mais não passa de colóquio flácido para acalentar bovino e nada mais.

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