Escrevinhação n. 765, redigida em 15 de junho de 2009, dia de Santa Julita e São Ciro, 11ª Semana do Tempo Comum.
Por Dartagnan da Silva Zanela
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As lamentações humanas não têm fim. Cada dia que passa nos tornamos mais infantis. Lamentamos sobre tudo e a respeito de praticamente todos e, o mais engraçado com relação a isso é que quanto mais lamentamos dos infortúnios que nos assolam, mais nos sentimos seguros de quem somos e, consequentemente, do que nós queremos para a nossa vida. Ou seja: sem estarmos cônscios de quem somos, imaginamos que estamos altamente gabaritados para reivindicar o que é melhor para nós, mesmo que não saibamos claramente quem é esse tal de “nós mesmos”.
Parece estranho que insistamos neste ponto, mas, confesso que esse realmente é o ponto que mereceria receber a maior porção de nossas forças em sua investigação e devida meditação, pois esse é o porto seguro donde parte todo singrar de nossa vida. Uma vida onde o sujeito dela é um ilustre desconhecido é uma vida vivida sob a tutela de outros que acabam nos dizendo o que somos e quem devemos ser, justamente por não nos importarmos devidamente com a realidade de nossa pessoa.
É até engraçado, para não recorrer a nenhuma outra expressão, vermos círculos de pessoas, fundamentalmente preocupadas com a hercúlea tarefa de desperdiçar as suas vidas em conversas tolas com aquele ar de desdém vitorioso a perguntar-se: “Quem sou eu? Sei que nada sei? Rarara...”, e assim por diante. Sabe, fazendo o tipo de quem se julga uma pessoa plenamente resolvida e senhora de si, mesmo que gaste boleras em conversas que apenas acumulam em sua alma palavras sem significação alguma, se nenhuma relação com a realidade ou com o desejo de contemplar a Verdade.
Não é questão de ser moralista ou coisa do gênero, mas sim, de meditarmos sobre uma questão muito simples. Se somos realmente o bicho da goiaba que julgamos ser, por que gastamos tanto tempo e dinheiro para dissimular a imagem de quem realmente somos? Se somos realmente o Ari Pistola que achamos ser, por que nós, seres humanos modernos, tememos tanto a morte? Bem, é aí que a porca torce rabo.
Quando pensamos na finitude de nossa existência nos defrontamos com o espelho da Verdade sobre nossa vida. Isso mesmo. Quando nos é indagado “quem somos nós” e “o que somos nós” essa pergunta deve ser realizada na plenitude da realidade humana, que é a solidão, conforme nos ensina José Ortega y Gasset. E é interessante o quanto essa questão ganha à devida densidade em nossa vida quando, como dizem os populares, sentimos o cheiro do caixão, ou quando alguém muito próximo e querido por nós vem a falecer.
Nos momentos em que experimentamos uma situação como essa, imediatamente nos vem uma sensação de que se nós morrêssemos naquele instante teríamos sido o ser humano mais idiota e medíocre do mundo por ter vivido da maneira mais estúpida possível. Em maior ou menor proporção, essa é a impressão que aflora em nossa alma a partir da experiência de morte, tanto que o indivíduo reflete sobre a sua vida e passa a querer levá-la de um modo mais dignamente humano, porém, nem sempre essa impressão deita firmes raízes na alma do elemento o que leva, muitas das vezes, esse estado de reflexão ser fugidio. Mesmo assim, o que ele quer após isso é aproveitar a vida de uma maneira melhor.
O interessante nisso tudo é que, antes do elemento viver essa situação ele procurava nortear a sua vida pelas veredas ditadas pelas suas desenfreadas paixões que, de maneira raivosa, o guiava para o que há de mais baixo em uma vida e ele chamava a isso de “aproveitar a vida”. Espere aí! Mas o que então significa solver tudo o que a vida tem a nos ofertar? Que vida humana pode ser tida como uma vida plenamente vivida?
Isso irá depender do que você entende por humano e que tipo de humano você pretende apresentar diante de Deus. É meu caro. Essa é a densidade devidamente apropriada à pergunta insistentemente repetida por esse mísero missivista. No silêncio de nossa solidão é que nos defrontamos com a plenitude de possibilidades humanamente possíveis que podemos realizar mesmo estando, neste momento, imersos em nossa miséria humanamente rasteira que prefere rastejar junto à lama da alcova das paixões do que se entregar a esse Mistério que nos convida a transcender as aparências que atocaiam nossas vistas em nome de nossas vilezas.
Olha, a muito, quando ainda vivo, Mahatma Gandhi dizia-nos o seguinte: “Acreditem-me quando lhes digo depois de 60 anos de experiência que a única desgraça real é a de abandonar o caminho da Verdade”. E a maneira mais fácil de nos entregarmos a esse infortúnio é não sendo sinceros para conosco mesmo. Pô! Se não somos francos com o mané que aparece refletido no aço do espelho, com quem e com o que seremos?
Quem é você? O que é você? Não me conte e nem resmungue. Apenas pense o que você apresentaria perante o Sapientíssimo como sendo a sua pessoa e em que medida isso que seria apresentado realmente seria você ou, se não passaria apenas de mais um embuste para, de maneira covarde e tosca, nos escondermos de nossa realidade humana humanamente negada. O que seria? O que será?
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