Bem vindo ao blog de Dartagnan da Silva Zanela, Cristão católico por confissão, caipira por convicção, professor por ofício, poeta por teimosia, radialista por insistência, palestrante por zoeira, bebedor de café irredutível e escrevinhador por não ter mais o que fazer.

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CONTINUAMENTE DESDENHADO

Escrevinhação n. 811, redigido em 14 de fevereiro de 2010, dia de São Cirilo, São Valentin e São Metódio.

Por Dartagnan da Silva Zanela

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Todo professor, ao menos uma vez em sua vida, deve ter tomado conhecimento da prática identificada pela alcunha de “avaliação continuada”. Se formos sinceros para conosco mesmo na leitura desta mísera missiva, reconheceremos que além de ter conhecimento da referida forma de avaliação também a incluímos em nosso exercício profissional.

Pois bem, mas em que consiste tal proposta avaliativa, tão difundida no sistema educacional de nosso país? Segundo Paulo Freire, em sua obra PEDAGOGIA DO OPRIMIDO, uma avaliação continuada consiste em uma prática educativa contextualizada, flexível, interativa, presente ao longo da formação, de maneira contínua e dialógica. Agindo-se assim acompanhar-se-ia o desempenho passo a passo do aluno prevenindo-se a repetência (eita). Tudo isso soa bonitinho, mas em que medida essas palavras refletem uma prática real e com a eficácia auto-declarada? Apontamos isso, visto que, a tal modalidade de avaliação vem a longos anos sendo aplicado indiscriminadamente em nosso sistema educacional e os resultados efetivos estão muitíssimo distantes do anunciado, seja em números absolutos ou modelados comparativamente.

Vale lembrar que desde que o mundo é mundo, o referido acompanhamento do diuturno desempenho do aluno é uma prática inerente ao educar. É um tanto que confuso que se conceba que um professor instrua um aluno sem verificar no correr das aulas se ele está desempenhando com zelo e mínima maestria o que está sendo ministrado pelo educador. Seja nas lições ministradas às margens do rio Tigre na antiga Mesopotâmia, ou nas escolas monásticas do medievo, ou nas reduções jesuíticas, temos presente no correr das lições o acompanhamento do que está sendo realizado pelo mancebo junto com as necessárias correções do mestre. O que temos de novidade no que está imperando em nosso sistema educacional é a transfiguração desta prática que é, em si, pedagógica e constante, em uma forma fundamental de avaliação.

Trocando em miúdos, desdenha-se a formalidade de um momento de provação do estudante onde ele demonstraria a aquisição das lições e de sua habilidade em articulá-las frente às situações apresentadas pela prova (ou avaliação, se preferirem). Agindo-se desse modo, temos alguns problemas que, de minha parte, frente ao que os olhos testemunham, apenas degrada a educação e, principalmente, os sujeitos dela: os alunos. Isso mesmo. Julgo que seria deveras relevante perguntar o que se vê no universo real, nas salas de aula que são, literalmente, uma galáxia muitíssimo distante dos mestres e doutos da educação. As palavras nos livros e nos documentos são bonitinhas, porém, na prática, qual é o seu efeito concreto?

Primeiramente, essa modalidade tão quista nas rodas “letradas” e burocratizadas, que se faz presente em todo o sistema de ensino, dá uma ênfase muito significativa no esforço hipotético que o aluno despendeu para realizar uma atividade em detrimento de uma possível demonstração do conhecimento construído e adquirido pelo mesmo no correr do processo. De longa data causa-me grande estranheza ver um aluno ser muito bem avaliado nas atividades avaliativas ditas contínuas e demonstrar um desempenho mediado, e até mesmo abaixo disso, em uma avaliação formal simplória. Seria interessante se fôssemos contextualizar e avaliar a tal avaliação contextualizadora. Entretanto, é claro que esses biltres, de ante-mão, culpam os professores, a família, a sociedade, a mídia, etc., mas nunca as suas idéias geniais.

É claro que já deve haver uma porção de gente me jogando para os cachorros, por isso, se me permitem, façamos algumas analogias com outras práticas avaliativas presentes na vida em sociedade para podermos perceber o quanto que esse troço é qualquer coisa, menos o que é proclamado. Diga-me uma coisa, é possível fazermos uma crítica literária ao mesmo tempo em que estamos lendo o livro que será criticado? É possível realizar uma crítica cinematográfica ao mesmo tempo em que estamos contemplando a película? E veja, estou apenas recorrendo a duas analogias e apenas com elas, torna-se auto-evidente que a própria idéia de uma avaliação contínua é auto-contraditória. E, não é por menos que os resultados de tais práticas estão aí, para todos aqueles que usam os olhos para enxergar, porque tais práticas não avaliam o que é aprendido, apenas camuflam o que é desdenhado.

O fato de afirmarmos esse dito não significa que sejamos contrários a existência de vários momentos em que se possa avaliar o aluno, não mesmo. Porém, é-se necessário que sejam momentos específicos e formais onde aluno esteja testando o seu trabalho e visualizando o que ele é capaz de realizar com o que foi aprendido no correr das aulas e saiba o quando de esforço ele deverá deliberar para que possa realizar o seu plano escolar. Não é assim que um gestor age em relação ao seu trabalho, seja ele na seara Estatal ou na dimensão do serviço privado? Se tal formalidade criada pelos momentos de avaliação não é relevante por que o Inep trabalha com ciclos avaliativos para poder nortear as políticas educacionais do Estado Brasileiro?

Em fim, se tais momentos avaliativos devem ser desdenhados em nome de um suposto olhar clínico que tudo analisa no mesmo momento em que está sendo realizado, por que não acabamos então com os pleitos eleitorais de quatro e quatro anos e substituímos esses por apenas uma pesquisa de opinião apresentada diariamente pelos nossos governantes que validará a sua permanência no poder. Já imaginaram que boniteza que seria?

Sem mais delongas, apenas gostaríamos de lembrar que práticas excêntricas como essa vem tomando conta de nosso sistema educacional simplesmente porque este está cheio de gente que quer passar por bonzinho e esquece-se que muitas vezes o bem não se realiza apenas com afagos nas costas e um sorriso no rosto. O ponto central da educação é guiar o indivíduo de subjetividade individual, grupal e societal para a realidade societal, grupal e individual. Privar o aluno de um momento formal que permita a observação dos resultados de seu trabalho é privá-lo desta medida e excluí-lo dos meios que poderiam permitir uma ampliação de seu horizonte de consciência.

A discordância de tudo o que foi escrito até aqui é apenas uma questão de liberalidade volitiva, por isso a façamos não com base em palavras vazias e bonitinhas. Procuremos avaliar, pelo menos por um momento que seja, os frutos da educação hodierna em nosso país para vermos que atualmente a única coisa que abunda em nosso país neste quesito é a freqüência com que a palavra educação é repetida ao mesmo tempo em que é substancialmente negada.

Talvez, assim o é, para melhor dissimular o abismo em que estamos mergulhando as tenras gerações e para esquecermos a responsabilidade que a nossa geração tem sobre tudo isso, para esquecermos que, um dia, seremos julgados pela História e, principalmente, por Aquele que É. Aliás, como ambos, ela e Ele, irão nos avaliar?

Pax et bonum
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Blog: http://zanela.blogspot.com

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