Por Dartagnan da Silva
Zanela (*)
“A verdade muda introduz
a tirania”.
(José Bonifácio)
“Em nossos dias, mais
que a ausência ou morte de Deus, é proclamado o fim do homem”. (Michel
Foucault)
* * *
Sou um reles caipira. Isso é o
que sou. Boa parte de minha vida passei no interior, em cidades pequenas,
muitas delas bem pequeninas.
Por essa razão, imagino eu, meu
temperamento tende naturalmente na direção das coisas simples. Não por virtude,
mas por hábito mesmo.
Penso que a vida deve ser vivida
num passo que dispense os salamaleques carniças que muitas pessoas adoram ostentar
para parecer ser o que jamais serão pra tentar impressionar pessoas que nunca
se importarão com quem quer que você seja ou virá a ser.
Sempre me pareceu um baita
disparate querer chamar a atenção para si simplesmente por querer ser percebido
pelos outros, principalmente fazer isso recorrendo a subterfúgios torpes. Entregar-se
a esse vil tipo de empreitada me parece algo pra lá de idiota.
Além disso, cresci ouvindo os
adultos dizerem, quando viam um fervo histérico e vaidoso, que fulanos e
beltranos estavam feito cadela no cio, pintando a bunda de vermelho pra chamar
a atenção. Era só ter um gritedo armado em torno de algo de pouco valor que eu
logo ouvia essa frase que tão bem retratava o quadro. Frase esse que se fixou
em minha memória, traduzindo tão bem a equação: gritaria histérica misturada
com gargalhadas exageradas, igual, cadelas no cio.
E tem outra! Quando menino, ouvi
pouquíssimas vezes os adultos que acompanharam o meu crescimento dizerem a
famigerada frase. Naquele tempo, raras eram as ocasiões em que o ridículo
alheio ocorria e, por ser raro, chocava e chamava a atenção de todos.
Entretanto, nos últimos anos,
venho testemunhando, com esses zóios que um dia a terra há de comer, o aumento
crescente desse fenômeno, do desavergonhamento descarado e petulante. Um aumento
tanto na frequência quanto na intensidade.
Vemos hoje um verdadeiro vai e
vem de carroças moralmente rotas e humanamente vazias, perambulando sem destino
de lá pra cá. Seja onde for lá está a turba de cidatontos desvairados clamando para
ser o centro das atenções.
Ora, é mais do que compreensível
que lá a cada morte de bispo uma e outra pessoa extrapole os limites da
civilidade e acabe causando um e outro escândalo entre os seus. É compreensível
porque não é o acidental que define o essencial na alma duma pessoa. O
acidental apenas contrasta com aquilo que o sujeito é ou, se preferirem, é mais
que óbvio que não é o tropeço que define a caminhada, mas sim, o passo da
andança.
Detalhe: torna-se um problema –
um problemão – quando o tropeçar transforma-se na regra da jornada. Não é
necessário ser um gênio pra imaginar onde essa irá terminar, não é mesmo?
E é isso o que realmente espanta
na sociedade hodierna. Esse tipo de impostura apontado anteriormente torna-se
cada vez mais frequente, rotineiro, ousado e petulante, como se agir de maneira
bestial, desprezando as regras mais elementares do convívio em sociedade, fosse
a própria definição de maturidade.
Aliás, como nos ensina Emile
Durkheim, quando uma anomalia societal torna-se frequente, com o tempo ela
acaba tornando-se a nova regra de convívio. Devido o condicionamento dos
indivíduos a nova rotina que vai sendo passivamente aceita por todos, acomoda
as gentes ao novo cenário que passa a ser visto como “normal”, como a nova
norma.
Sobre esse quadro terrificante
vivido hoje em nossa sociedade, testemunhado pelos indignos olhos que estão de
modo turvo guiando esse tinteiro eletrônico e assistido por todos aqueles que
acreditam que o respeito sempre sai barato, existe uma farta literatura que
procura apresentar algumas reflexões sobre o referido tema.
Theodore Dalrymple, por exemplo,
em livros como “Podres de mimados”, “Nossa cultura, ou o que restou dela” e “Vida
na sarjeta”, nos brinda com verdadeiras jóias que nos auxiliam, e muito, na
compreensão deste cenário tão grave quanto ridículo.
O referido autor nos lembra que esse
problema de incivilidade está deixando um rastro de desumanização, de
depreciação do indivíduo humano, reduzindo as pessoas à condição de mequetrefes
sem qualidades que acaba elevando seus vícios morais à altura de virtudes para,
tolamente, tentar disfarçar a sua palermice fundamental. Detalhe: o pior é que
não disfarça não.
Para esse tipo de gente, não
existem critérios morais objetivos. A única coisa que há em sua perspectiva
existencial umbigocêntrica, como critério ético e moral, é o “eu gosto”; o “eu
quero”; o “isso é chato” e por aí segue o andor.
Resumindo o entrevero: para esses
caiporas o seu ego mimando é o centro ontológico da realidade e, por isso, eles
imaginam que podem tudo e que ninguém tem nada com isso. No fundo não passam de
adolescentes crescidos, perenes e cruéis que se imaginam inocentes de sua
baixeza, como diria Pascal Bruckner.
São alminhas que perderam a
capacidade de sentirem-se culpadas – outras estão num passo acelerado nessa direção.
Bem, de um jeito ou doutro,
pessoas assim são realmente uma ameaça para os seus semelhantes (ou, pelo menos
um berne incômodo), pois, quando não mais carregamos o fardo de nossas culpas,
inevitavelmente nos tornamos um monstro moral que imagina poder fazer o que bem
quer quando der na telha, como nos aponta Luiz Felipe Pondé, em livros como “A
era do ressentimento” e “Contra um mundo melhor”.
É, meu caro Watson. Não há nada
mais perigoso na face da terra que uma pessoa que acha lindo não sentir-se
portador de culpa alguma.
Ou seja: para essa gente mau
caráter o “tudo podemos porque simplesmente queremos” é toda a lei e o resto
que se dane.
Sem mais delongas, vamos aos
finalmentes: esse tipo de multidão um dia tomará as rédeas de nossa cambaleante
nação e, pasmem, irá ditar as regras da boa gestão da coisa pública e do convívio
civilizado em sociedade, vão ensinar para as futuras gerações o que é ser um
cidadão de verdade. Pra ser franco, elas já estão praticamente fazendo isso já faz
algum tempinho.
Enfim, dias mais sombrios que os
atuais virão porque continuamos insistindo em permanecer calados diante dos
cretinos umbigolátricos que tiranizaram a todos nós com seus disparates, sejam
eles perpetrados nas altas esferas do poder, sejam eles praticados junto de nós
em nosso dia a dia.
Ponto. Fim do causo.
(*)
professor e cronista.
e-mail:
dartagnanzanela@gmail.com
fanpage:
http://facebook.com/dartagnanzanela/
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