Por Gustavo Corção
Qualquer pessoa medianamente dotada e ainda não dopada pelo imperativo de um otimismo que é julgado hoje virtude máxima, e máxima lucidez, qualquer pessoa, em suma, que ainda não esteja possessa pelo Sistema, já percebeu que vive dentro de uma decomposição civilizacional cuja característica principal é a de um furioso hedonismo. Todos querem sentir, o minuto que passa, a golfada de ar que respira, a curva que faz a sessenta ou oitenta quilômetros numa rua movimentada. A fisionomia da juventude em tal clima é curiosamente apática, em contradição com o frenesi das reações, e quase se pode garantir que nunca houve em toda a história do mundo uma humanidade tão destituída de gosto e de prazer. Este paradoxo é aliás a bem conhecida contradição moral do prazer: o primeiro de seus malogros é a perda do prazer. Seria, porém, um engano tirar daí uma conclusão tranqüilizadora firmada na suposição de que tal malogro corrigirá o extraviado. Ao contrário, exaspera-o.
De onde vem esse extravio moral. Em cada indivíduo a moléstia procede de pequenas e primárias opções subversivas em que, por uma antiga dolência, essa alma volta sua preferência para as coisas exteriores e inferiores; e, deixando-se dominar, torna-se depressa escravo delas. A conquista das coisas inferiores nos afaga ao mesmo tempo o orgulho e a concupiscência, ao contrário do alcance das coisas do alto que nos aprimoram a humanidade e o gosto da sabedoria. O praticante da moral do prazer se torna grosseiro, embotado, às vezes enganosamente aprimorado na conquista de tais bens, e inevitavelmente, como já vimos, se torna exigente de doses maiores, de prazeres mais violentos. [continue lendo]
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