Por Dartagnan da Silva
Zanela (*)
“A história é êmula do tempo, repositório dos fatos,
testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro”. (Miguel de
Cervantes)
Qualquer questão pertinente a
história recente de um país sempre é espinhosa. E assim o é porque os
interesses que motivaram as ações humanas de antanho ainda se fazem presentes e
atuantes no momento atual. Por essa razão que todo estudo historiográfico sério
que realmente procure um entendimento minimamente lúcido exige um razoável
distanciamento do recorte histórico selecionado para estudá-lo.
Agora, se as paixões ainda são
vividas com sangue nos olhos e cuspe na barba, toda e qualquer compreensão
torna-se nublada pelos ânimos ideologicamente aquecidos.
De um modo geral, a opinião
pública sempre tem uma visão sobre o passado recente modelada pela seiva
política do momento, visão essa que invariavelmente é forjada pelos
estereótipos disseminados pela mídia (impressa e, principalmente, televisiva) e
pelo sistema educacional.
Por isso, basta você me disser
qual é inclinação ideológica de quem está no poder, e daqueles que estão à frente
do sistema de mídia e educacional, que eu te direi quem terá a voz oficiosa
sobre o sentido da história recente.
Jamais nos esqueçamos que a luta
pela memória coletiva oficial é uma luta pela legitimação de nossos atos
presentes. Sempre.
Ou seja: toda vez que uma pessoa
vem com aquele olhar enfurecido, espumando de raiva para o seu lado, dizendo
que você deve estudar história para compreender o que está acontecendo, na
maioria absoluta dos casos, ele o faz não porque seja um profundo estudioso do
assunto, mas sim, porque tem a sua percepção da realidade histórica determinada
pelos estereótipos ideologizados que imperam no presente. Estereótipos esses
que são apresentados à frente dos fatos que acabam substituindo-os e deformando
a realidade e qualquer possível entendimento.
Exemplo muito simples desse
quadro gnosiológico é a total confusão que ainda impera em torno do período de
nossa história recente que correspondem as décadas de 60 e 70.
Se formos observar apenas os
rótulos que são utilizados para apresentar esse período da história,
rapidamente compreendemos como funciona esse aparelho de desinformação e
deformação histórica.
Quando a mídia e toda aquela
chusma de intelectuais engajados apontam seus dedos para as duas centúrias
citadas, esses utilizam termos como: golpe de 64, ditadura militar,
torturadores, retrocesso democrático e por aí segue o andor que todos nós
conhecemos muito bem.
Dito isso, vejam só como esse
trem fuçado funciona. Antes mesmo de procurarmos conhecer a realidade histórica
vivida nessa época nós já temos a nossa percepção condicionada por esses
jargões que a priori nos dizem o que
deveremos encontrar. Some-se a isso uma seleção de fatos que dê vivacidade a
esses jargões e pronto. Temos um simulacro de historicidade que acaba sendo
assimilado pelas pessoas que, em muitos casos, assimilam todo esse engodo de
boa fé. Aliás, os enganos mais toscos que existem são geralmente sofridos e
vividos de boa fé.
Mas e a pergunta: e quando os
militares estavam no poder, como eles contavam a história desse período? Da
mesma forma, porém, com uma tonalidade diferente. Ao invés de vermelho,
usava-se o verde-oliva.
Não nos esqueçamos que quem está
no poder tem a voz da oficialidade, logo, diz o que quer que seja lembrado e
como quer que seja rememorado.
Diante do exposto isso quer dizer
que nós não temos como conhecer, de fato, o que aconteceu em nossa história
recente? De jeito maneira! O que estamos afirmando, e o fazemos enfaticamente,
é que não podemos fazer isso a partir de cacoetes mentais que nos são sugeridos
por aqueles que hoje se auto-proclamam os guardiões da memória nacional.
Cair nessa esparrela é permitir-se
ser usado num jogo de manipulação histórica sem limites.
Para não cair nisso, é de fundamental
importância que estejamos realmente dispostos a estudar a história do período e
não apenas opinar sobre.
Por essas e outras que é
imprescindível que estejamos dispostos a nos surpreender com o que iremos
aprender, pois, se não estivemos, isso apenas sinaliza que estamos ansiosos pra
confirmar os simulacros que carregamos conosco.
É urgente que aprendamos a
desconfiar de todos os coros que são feitos pela grande mídia junto com o
sistema escolar brasileiro, pois, quando essas duas forças gritam juntas na
mesma direção, pode ter certeza que há ali uma tremenda treta histórica.
Enfim, repito aqui o que havia dito
noutra ocasião no facebook. É o seguinte: diga para si, com total franqueza: o
que eu realmente conheço a respeito da história recente de nosso país? O que de
fato eu sei sobre os governos militares que não seja baseado nos estereótipos
aprendidos através de aulas ginasiais, por meio dos livros didáticos
recomendados pelo MEC e através da grande mídia? Aliás, quantos livros sobre
esse período de nossa história foram lidos por nós? Outra coisa: o que pensamos
sobre o assunto? Quantas questões nós levantamos em torno dos acontecimentos
que marcaram os anos verde-oliva? Pois é, e mesmo assim continuamos fazendo
pose de sabido, de entendidos no assunto sem nunca tê-lo estudado, sem nunca
ter meditado sobre ele com a seriedade mínima exigida.
Pois é, meu caro Watson, por
essas e outras que Aldous Huxley dizia que a maior lição da história talvez seja
a de que ninguém aprendeu nenhuma das lições ensinadas por ela. E não
aprendemos por simplesmente presumirmos que já sabemos tudo sobre ela sem, ao
menos, termos desejado conhecê-la.
Ponto. É isso. E tenho dito.
(*)
professor e cronista.
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