Por Dartagnan da Silva
Zanela (*)
Uma das coisas que mais me encanta
em uma sala de aula, mesmo depois de duas décadas lavorando em suas cercanias,
é a variedade de olhares que dão forma e brilho a paisagem desses ambientes,
fechados para o mundo presente e imediatista e que, na medida de seus limites,
possibilita a abertura das almas infantes para inúmeros outros mundos que se
fazem luzir em seus olhares miúdos.
Vendo-os, fico a imaginar o que
está se passando por aquelas cabecinhas que, caprichosas, ficam a fintar com
seus olhinhos para a movimentação que toma conta, algumas vezes, dos corredores
ou do pátio. Noutras vezes procuro, de modo quase que paterno, tentar ler os
anseios, angustias e aflições que estão presentes nas profundas águas dessas
alminhas e que se fazem refletir em seus cândidos zoínhos.
Dessa multidão de janelinhas da
alma, naturalmente, há algumas que, à sua maneira, marcaram mais profundamente
o meu espírito do que outros, devido à singularidade de sua expressão e da
história que me foi revelada silenciosamente.
Sempre me encanta quando vejo os
infantes concentrados realizando uma atividade proposta. As pálpebras baixam à
meia luz acompanhada por uma leve inclinação da sua cabecinha, fervilhante de
ideias e traquinagens, sobre o caderno como se ele estivesse campeando grilos
no meio do capinzal ao cair da tarde. Sereno, ao seu modo. Desligado de tudo,
para poder ligar-se totalmente com aquele momento que é só dele e de ninguém
mais.
Nessas cenas também não temos como
não nos admirar com a forma como a gurizada segura seu lápis que, em regra, tem
sempre uma das extremidades toda marcada pelas suas dentadas.
Uns colocam toda a pressão possível
sobre a escrita, outros fazem deslizar o grafite sobre a folha do caderno como
se esse fosse um pincel a bailar em uma tela e, dum jeito ou de outro, o
momento é sempre atendido pela boca entreaberta do pequenino que, com seu
olhar, tudo acompanha pra que a tarefinha fique pra lá de bonita. Ou não.
Além desses olhares, temos outros
mais. Temos aqueles olhinhos inquietos que, ao ouvirem a explicação inicial dum
conteúdo novo, sentem-se perdidos e, ao mesmo tempo, curiosos diante de algo
que até então não era do seu conhecimento.
Outras vezes, esse mesmo tipo de
olhar, manifesta-se quando o infante recebe a sua avaliação e, aturdido, não
compreende como ele pode ter errado aquelas questões e, por isso, não se
conforma com a nota que conquistou.
Há também aqueles infantes que
deixam à vista os seus introspectivos olhares onde, de modo mui discreto, somos
capazes de ver os seus sonhos transbordando de sua imaginação e, noutras vezes,
como eles mesmos dizem, somos capazes de ouvir suas divagações quando estão a
pensar na vida. Na tal da vida.
Não menos frequente, temos os
olhares perdidos, desorientados de tudo. Crianças que pouco sabem sobre si, ou
que muito sabem e preferem esquecer. Crianças que muitas vezes miram para o
futuro e, não veem nada além de um cenário vazio de pura desolação.
Sejam quais forem os olhinhos que
compõem a paisagem duma sala de aula, eles sempre são acompanhados, ou
seguidos, por um doce sorriso, ou por uma careta brincalhona, típica da
inocência das almas que não sabem, e nem estão muito preocupadas, com o que o
amanhã lhes reserva, mas que, mesmo assim, muito dele esperam.
Seja como for, não sei o que dizer
quando vejo esses olhinhos, não sei dizer se o futuro a eles pertence ou não.
Enfim, espero apenas que todos
esses pequenos possam chegar nesse tempo, no tal do futuro, e nele mergulhar
sem cerimônia para poderem fazer dos dias que estão por vir a realização dum
sonhado presente que, no passado, era apenas um suave brilho num olhar
infantil.
(*) Professor, caipira, escrevinhador
e bebedor inveterado de café.
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